Mulheres rurais

A informalidade ainda é a regra que estrutura o cotidiano das mulheres rurais no Brasil. Dados do último Censo Agropecuário mostram que 48% delas trabalham sem qualquer vínculo formal, o que significa viver à margem de direitos como licença-maternidade, previdência e aposentadoria. O dado, divulgado no Dia Internacional das Mulheres Rurais, revela que o avanço das políticas públicas no campo permanece distante da realidade de quem sustenta boa parte da produção de alimentos do país.

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O problema é antigo e profundo. No campo, o trabalho feminino costuma ser definido por um paradoxo: é essencial à economia rural e, ao mesmo tempo, invisível na formalização trabalhista. São mulheres que administram propriedades, cuidam de lavouras e rebanhos, processam alimentos e mantêm as famílias.

Mas continuam excluídas das estatísticas de renda e da proteção social. A precarização, portanto, não é acidental; é estrutural, enraizada num modelo de desenvolvimento que valoriza o produto, mas ignora quem o produz.

As desigualdades se expressam também no acesso à renda. Segundo o mesmo levantamento, as mulheres ganham cerca de 20% menos que os homens em funções equivalentes. E enfrentam, além da dupla jornada, barreiras históricas no crédito e na assistência técnica.

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Esse conjunto de exclusões não apenas compromete o sustento imediato, mas perpetua um ciclo de pobreza intergeracional que limita a sucessão rural e alimenta o êxodo das novas gerações para as cidades.

A realidade aparece nas histórias que se repetem de norte a sul do país. Em Perolândia, no sudoeste de Goiás, a produtora Sônia Maria de Abreu conta que passou três anos tentando acessar crédito agrícola, sem sucesso.

“Meu marido tentou por três anos tomar crédito junto ao banco, até que eu tomei frente e disse que não iria desistir até conseguir. A mulher tem persistência e mais mulheres têm que ser valorizadas”, afirmou.

A persistência dela ilustra o impasse que define a experiência feminina no campo: a necessidade de provar, sempre, que é capaz de liderar, produzir e negociar em condições desiguais.

Mulheres rurais

No extremo oposto do país, em Novo Horizonte do Oeste, Rondônia, a produtora Ediana Capich cultiva café robusta amazônico e participa de todas as etapas da produção, do plantio à torra.

“Temos habilidades e visão com mais precisão, somos dedicadas e isso traz bons resultados. Mas ainda desejo que nosso trabalho tenha o valor correspondente à altura da dedicação que realizamos”, disse.

Sua fala evidencia um traço recorrente: o reconhecimento simbólico do esforço feminino não se converte em reconhecimento econômico.

A informalidade no campo é também um marcador social de gênero. Quando a política pública chega, costuma fazê-lo de forma fragmentada, com programas sazonais ou dependentes de eventos climáticos. A ausência de políticas continuadas impede a consolidação de redes de apoio e a autonomia financeira das mulheres.

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É nesse vácuo institucional que florescem iniciativas locais de resistência — cooperativas, redes de comercialização direta, feiras agroecológicas — que garantem alguma renda, mas ainda sem amparo trabalhista.

Ao mesmo tempo, a informalidade está diretamente ligada ao desafio da sustentabilidade. São essas trabalhadoras que lidam cotidianamente com o impacto da crise climática: secas mais longas, chuvas irregulares, perda de fertilidade do solo.

Sem crédito, assistência técnica e previdência, o risco recai sobre quem menos pode absorvê-lo. As mulheres rurais estão na linha de frente da adaptação climática, mas permanecem fora das mesas de decisão sobre transição energética e agricultura de baixo carbono.

Nos últimos anos, o governo federal retomou políticas de fomento à autonomia feminina, como o Fórum Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas, e programas de capacitação no âmbito da COP30, marcada para novembro em Belém.

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Apesar das iniciativas, os efeitos ainda não se traduzem em mudanças concretas de renda e formalização. A distância entre o discurso da sustentabilidade e o cotidiano da produtora rural continua abissal.

A informalidade no campo não é apenas uma questão econômica; é uma questão de cidadania. Sem acesso a direitos, a trabalhadora rural fica à margem de toda a rede de proteção social — da aposentadoria à saúde pública. Cada hectare cultivado sem registro formal é também um retrato da ausência do Estado em territórios onde a economia informal se confunde com a sobrevivência.

O custo social é alto e silencioso: quando essas mulheres adoecem, envelhecem ou deixam de produzir, o país perde não apenas força de trabalho, mas parte da sua soberania alimentar.

Enquanto a agricultura industrial concentra incentivos e a retórica da modernização, a base do campo continua sustentada por trabalho feminino invisível, sem garantias legais e sem o devido reconhecimento.

As mulheres rurais seguem plantando, colhendo e alimentando o país — mas ainda esperam colher o fruto mais básico da democracia: o direito de existir como trabalhadoras reconhecidas.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e política internacional, dedicado a interpretar como o poder e os mercados influenciam o Brasil e o mundo.

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