É domingo, e o mundo econômico deveria estar em recesso. Mas o debate fiscal nunca dorme. A pauta da semana não foi a inflação (que até deu um sorriso tímido), nem o PIB (que insiste em crescer menos que o entusiasmo), mas a inevitável: a revisão da meta.
O noticiário já escreveu o título: “Governo admite fracasso”, “Meta Furada”, “Descompromisso”. O tom é de funeral de Estado. Afinal, a meta fiscal é o deus de um panteão muito específico, onde a disciplina do número é mais sagrada que a urgência da vida.
A meta, coitada, nasce sempre como um ideal platônico. É uma linha reta desenhada no horizonte, ignorando a topografia real do país: os vales da necessidade social, os picos da política que precisa ser negociada, e os pântanos do imprevisto global que sempre drenam a arrecadação.
Quando o governo se senta, pega a caneta e anuncia que o déficit não será de X bilhões, mas de X mais um pouco, a reação é imediata: fracasso.
Mas o que é esse “fracasso”?
O fracasso, na crônica do brasileiro, é a falta de leito, o hospital que não termina, a escola que tem goteira, o buraco na rua que a prefeitura não tapa.
O fracasso, na narrativa política, é quando o número declarado na véspera não combina com o número entregue no final. É uma falha de contabilidade, não necessariamente de governança.
A ironia reside no zelo. O mesmo coro que hoje exige a santidade da meta é, muitas vezes, o que impede a reforma tributária de funcionar, o que derruba medidas de arrecadação no Congresso ou o que aumenta o gasto obrigatório por pressão corporativa. Exigem a meta inatingível, enquanto atiram pedras no caminho.
O fracasso, neste jogo, é um mito de fundação. É preciso que a meta seja ambiciosa (e irreal) para que o “fracasso” sirva de munição.
A revisão é apenas a rendição da matemática diante da política, um reconhecimento tardio de que governar não é pilotar um Excel, mas sim um país feito de gente que precisa de mais do que números em dia.
Portanto, deixemos a meta chorar seus números revisados. O resto do país segue, preocupado com o preço do combustível e do aluguel, sabendo que a rigidez do fiscalismo, muitas vezes, esconde a flexibilidade da miséria.
A tragédia não está na revisão do dígito. Está na inércia que ele, muitas vezes, tenta justificar.


Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Ainda não há comentários nesta matéria.