MP 1.303

Brasília — A queda da Medida Provisória 1.303/2025, que previa a taxação de bancos e apostas esportivas para compensar o recuo no aumento do IOF, foi o desfecho visível de uma disputa que se desenrolou por semanas nos bastidores do Congresso. Por trás da votação que retirou a proposta de pauta por 251 votos a 193, estava um enredo de pressões cruzadas, acordos rompidos e resistências silenciosas de setores econômicos poderosos. O governo perdeu não apenas uma medida de arrecadação, mas o controle sobre sua própria agenda fiscal.

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Nos últimos dias antes da votação, o clima era de tensão no Ministério da Fazenda. O ministro Fernando Haddad fez pessoalmente o percurso até o Congresso, tentando convencer parlamentares da base a manter a MP viva.

O relator, Carlos Zarattini (PT-SP), reescreveu o texto várias vezes, atendendo a pedidos de lideranças partidárias e reduzindo o alcance tributário. Mesmo assim, o placar já estava definido muito antes da sessão começar.

Nos gabinetes, líderes de partidos do Centrão, pressionados por bancos, fundos e representantes do agronegócio, já falavam em deixar a medida caducar.

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A MP havia nascido como um plano alternativo ao aumento do IOF, revogado após resistência do Congresso. O novo texto previa arrecadar R$ 20,9 bilhões e cortar R$ 10,7 bilhões em despesas obrigatórias, mas foi sendo desidratado a cada rodada de negociação. 

A taxação sobre apostas on-line foi retirada, as Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio seguiram isentas, e a alíquota sobre aplicações financeiras permaneceu menor do que a sugerida pela equipe técnica.

No fim, o projeto deixava intactos os mesmos setores que o governo havia prometido atingir, enquanto que na Câmara, o relator tentava emplacar um texto de consenso.

“Trabalhamos nesses 120 dias para garantir a aprovação da MP. Fizemos um texto que teria todas as condições de ser aprovado”, disse Zarattini após o resultado.

No plenário, no entanto, o que se viu foi um movimento de rejeição generalizada. O presidente do PP, Ciro Nogueira, afirmou que a MP representava “mais um assalto ao bolso do contribuinte”.

MP 1.303

O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), classificou a derrota como “a prova de que o governo perdeu a sintonia com o país real”. Para a base governista, o recado foi político.

“O que está acontecendo aqui hoje é um ato de sabotagem contra o Brasil”, declarou Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do partido na Câmara.

Já o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, tentou minimizar os danos ao declarar que “o Ministério da Fazenda tem um arsenal de alternativas. Pode haver projeto de lei, decreto, ou outras medidas para recompor a arrecadação”.

O discurso de calma contrastava com a avaliação de bastidor. Auxiliares da Fazenda reconheciam que o revés impõe um bloqueio imediato de até R$ 10 bilhões em emendas e o risco de contingenciamento de despesas já em 2025.

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Enquanto o governo tentava recompor a base, a pressão da indústria financeira crescia. Representantes de fundos alertavam para “distorções de mercado” e perda de competitividade caso a tributação fosse adiante.

No agronegócio, a manutenção das isenções foi tratada como vitória estratégica. Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária disseram, reservadamente, que “era melhor deixar o texto morrer do que criar precedente”. Na prática, os setores que mais resistiram à taxação foram também os que mais contribuíram para o desfecho.

Nesse contexto, a queda da MP 1.303 encerra uma sequência de derrotas fiscais que testam o alcance do arcabouço aprovado em 2023. O governo se vê pressionado por dois lados: de um, o Congresso amplia gastos e antecipa o debate eleitoral; de outro, o mercado reage ao enfraquecimento da política fiscal.

Dentro da Esplanada, cresce o sentimento de que o episódio marcou o início de uma fase mais difícil para o ministro Haddad, que vinha evitando confrontos diretos com o Legislativo.

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Renan Calheiros (MDB-AL), que presidiu a comissão mista responsável pela análise da MP, resumiu o sentimento:

“É muito ruim. Acaba afetando as contas públicas. Acho lamentável.”

A estimativa da Fazenda é que a caducidade gere uma perda de R$ 35 bilhões em 2026, o que deverá forçar contingenciamentos e reavaliação de metas. A reação imediata será técnica, mas o problema é político — e o Planalto sabe disso.

Na noite da votação, o ambiente no Salão Verde refletia mais do que o fim de uma medida provisória. O que se esvaziou ali foi a tentativa do governo de recuperar o protagonismo sobre sua própria pauta econômica.

A MP 1.303 morreu em plenário, mas o que a derrubou nasceu muito antes, entre cálculos eleitorais, pressões de mercado e a crescente distância entre o discurso fiscal e a prática do poder.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e redator especializado em economia, finanças e investimentos. É Administrador de Empresas com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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