Londres (Reino Unido) — A retomada da política tarifária dos Estados Unidos, sob o novo governo Trump, reacendeu o debate sobre dependência comercial e poder geoeconômico. Mas, segundo um estudo divulgado pela consultoria Verisk Maplecroft, as principais economias emergentes estão mais preparadas para suportar o impacto das novas tarifas norte-americanas — e até para remodelar as rotas do comércio global.
O relatório avaliou 20 grandes mercados emergentes com base em indicadores como endividamento, exposição a receitas de exportação e diversidade de parceiros comerciais. O resultado mostra que países como China, Brasil e Índia possuem resiliência suficiente para enfrentar a volatilidade causada por sanções e tarifas, reduzindo o poder de coerção dos Estados Unidos.
“Grande parte dos polos industriais globais está em posição melhor do que se supõe para suportar esta tempestade tarifária vinda dos EUA, mesmo em plena capacidade”, afirmou Reema Bhattacharya, chefe de pesquisa asiática da Maplecroft.
O estudo indica que México e Vietnã estão entre os mais expostos à dependência comercial dos EUA, mas sua combinação de políticas econômicas progressistas, infraestrutura em expansão e estabilidade política os torna mais resilientes do que aparentam. Brasil e África do Sul, por sua vez, vêm ampliando laços com parceiros alternativos, reduzindo a vulnerabilidade diante de oscilações políticas em Washington.
A análise aponta uma tendência de “descentralização estratégica” no comércio mundial. “Quase todos os mercados emergentes entendem que precisam fazer negócios com os EUA e com a China, mas não podem depender excessivamente de nenhum dos dois”, explica Bhattacharya. “Por isso, buscam um terceiro eixo.”
Esse terceiro eixo vem se desenhando dentro do próprio Sul Global, com o fortalecimento do comércio entre membros dos BRICS e novos arranjos regionais na Ásia, América Latina e África.
Embora a Rússia não tenha sido incluída no relatório, o avanço do grupo reforça essa direção. As trocas em moedas locais e os acordos bilaterais de liquidação em yuan ganham espaço.
No caso latino-americano, Brasil, Argentina e Chile já firmaram mecanismos de compensação direta com o Banco Central da China, sinalizando uma tentativa concreta de reduzir a dependência do dólar em transações comerciais.

Para a consultoria, a resiliência chinesa continua sendo um fator decisivo na equação global. Apesar da desaceleração nas exportações — em outubro, o país registrou a pior queda desde fevereiro —, o peso estrutural da indústria chinesa torna quase impossível substituí-la no curto prazo.
“A China está tão entranhada nas cadeias globais que não há como replicá-la integralmente em outro lugar”, afirma o relatório.
Além do poder produtivo, Pequim avança em uma estratégia de longo prazo de diversificação cambial, ampliando o uso do renminbi no comércio exterior como escudo contra riscos geopolíticos.
Na América do Sul, o movimento é semelhante, ainda que em escala menor. Investimentos chineses em mineração e energia — especialmente em lítio, cobre e transição elétrica — consolidam um circuito comercial alternativo, no qual o capital de Pequim financia infraestrutura e assegura acesso a matérias-primas estratégicas.
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O Brasil, por exemplo, tem buscado equilibrar a relação com Estados Unidos e China fortalecendo o Mercosul e negociando acordos diretos com a Índia e a União Europeia, em uma tentativa de se posicionar como mediador entre blocos.
O estudo reforça ainda a percepção de que a globalização entrou em uma nova fase: menos dependente de hegemonias e mais fragmentada entre zonas de influência regionais. Nesse sentido, o protecionismo americano, longe de enfraquecer os emergentes, tem acelerado a formação de redes comerciais autônomas — uma forma de “blindagem cooperativa” contra a volatilidade das grandes potências.
Para o Brasil, o diagnóstico traz oportunidade e desafio. A resiliência demonstrada pelo país depende de ampliar a integração regional e investir em política industrial e inovação tecnológica, evitando o retorno à condição de mero fornecedor de commodities.
No curto prazo, o realinhamento do comércio global pode beneficiar exportações de energia limpa e alimentos; no longo, exigirá capacidade diplomática para transformar geoeconomia em estratégia de desenvolvimento.
O relatório da Maplecroft sugere que o novo mapa do comércio internacional não será traçado apenas nas capitais do Norte, mas também nas articulações entre emergentes. A próxima década pode consolidar uma multipolaridade comercial na qual o Sul global negocia em mais de uma língua — e, cada vez mais, em mais de uma moeda.











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