Rio de Janeiro — A contaminação por micro e nanoplásticos deixou de ser um tema restrito à pesquisa ambiental e tornou-se um problema econômico e social de longo alcance. Um estudo conduzido por dez pesquisadores de universidades públicas do Rio de Janeiro mostra que as partículas, já encontradas em água, ar e alimentos, se espalham por toda a cadeia produtiva e impõem novos custos à saúde, à pesca, à agricultura e ao saneamento.
A pesquisa, liderada por cientistas da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reuniu mais de 140 trabalhos nacionais e internacionais sobre o tema.
Os resultados indicam que os microplásticos, fragmentos de polímeros derivados do petróleo, e os nanoplásticos, partículas ainda menores, já são detectados do litoral ao interior do país, da Amazônia ao Rio Grande do Sul.
Além do impacto ambiental, o fenômeno tem efeitos econômicos crescentes. Estudos citados pelos pesquisadores apontam que a presença de microplásticos em rios e mares compromete cadeias produtivas inteiras, como a da pesca e da aquicultura, com perda de qualidade e valor comercial dos produtos. O descarte inadequado também pressiona sistemas de tratamento de água e encarece a manutenção de redes urbanas.
A contaminação alcança inclusive produtos de uso cotidiano, como sal, açúcar e mel. Peixes e frutos do mar, ao ingerirem essas partículas, acabam transferindo o material para a cadeia alimentar humana.
O estudo estima que uma pessoa possa consumir até 120 mil microplásticos por ano, número que cresce quando se considera a inalação. Os pesquisadores lembram que a detecção dos nanoplásticos — menores e mais voláteis — ainda é limitada, o que indica subnotificação dos dados.
Segundo o professor Vitor Ferreira, da UFF, a origem do problema está na falta de controle sobre o ciclo do plástico, cuja produção global segue em expansão.
Ele observa que “os plásticos não desaparecem, apenas se fragmentam”, e que a degradação desses materiais libera partículas invisíveis que circulam na água, no ar e no solo. “Mesmo a água que bebemos e o ar que respiramos contêm microplásticos”, afirma.

A Organização das Nações Unidas estima que a poluição plástica custe à economia global mais de US$ 100 bilhões por ano em perdas associadas à pesca, turismo, produtividade agrícola e tratamento de resíduos.
No Brasil, o impacto financeiro começa a aparecer nas margens do saneamento e do agronegócio: a limpeza de corpos d’água, a filtragem industrial e o controle de resíduos encarecem a operação de empresas e prefeituras.
Na agricultura, os resíduos de microplástico oriundos de pneus, embalagens e tecidos sintéticos alteram propriedades do solo e afetam a produtividade. Já nas cidades, o acúmulo de lixo plástico em rios e galerias aumenta o risco de enchentes e deteriora o patrimônio público.
A Confederação Nacional da Indústria estima que o país perca anualmente cerca de R$ 2 bilhões em potenciais materiais recicláveis que acabam descartados irregularmente.
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O desafio vai além da gestão de resíduos, trata-se de uma questão de governança ambiental e de saúde pública. A inalação e ingestão de microplásticos têm sido associadas a inflamações, distúrbios hormonais e acúmulo de partículas em tecidos e órgãos humanos. Pesquisadores já identificaram microplásticos em sangue, pulmões e até em placentas.
“Ainda falta comprovar a relação direta de causa e efeito, mas é uma questão de tempo”, observa Ferreira.
A Organização Mundial da Saúde defende o princípio da precaução: reduzir o uso de plásticos de curta duração até que os efeitos sejam completamente conhecidos.
Para os cientistas brasileiros, a prioridade deve ser reduzir a dependência de embalagens descartáveis e ampliar a reciclagem. O país recicla apenas 23% do plástico que produz, enquanto a média europeia supera 40%.
A proposta de um tratado global contra a poluição plástica, liderada pela ONU desde 2022, continua em negociação. O acordo busca comprometer governos e indústrias com metas de redução e controle do ciclo de vida do plástico. As discussões, porém, esbarram na resistência de países produtores de petróleo e na pressão de grandes corporações químicas.
Enquanto o consenso internacional não avança, os custos locais se acumulam. Municípios litorâneos gastam cada vez mais com limpeza urbana e dragagem de praias, enquanto sistemas de abastecimento enfrentam o desafio de eliminar partículas invisíveis do tratamento da água.
A economia da poluição, alertam os pesquisadores, já começa a se sobrepor à economia da produção: o que antes gerava lucro, agora gera despesa ambiental e social.
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