A renúncia de Carla Zambelli ao mandato de deputada federal, anunciada neste domingo (14), não foi um gesto isolado nem resultado de uma decisão pessoal repentina. O movimento ocorre após uma semana de forte tensão institucional entre a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal (STF) e revela uma articulação política para evitar o aprofundamento de uma crise entre os Poderes, ao mesmo tempo em que preserva o discurso político do bolsonarismo diante da condenação da parlamentar por crimes contra o Estado democrático de direito.
Zambelli havia sido condenada pelo STF à perda do mandato e a dez anos de prisão por participação na invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em ação executada com auxílio do hacker Walter Delgatti Neto.
A decisão judicial determinava o afastamento imediato da deputada, entendimento reforçado por liminar do ministro Alexandre de Moraes e confirmado, posteriormente, pela Primeira Turma da Corte. Mesmo assim, na madrugada da última quinta-feira (11), o plenário da Câmara rejeitou a cassação, desafiando diretamente a ordem do Supremo.
A votação colocou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em uma posição delicada. Caso cumprisse a determinação judicial, enfrentaria reação da bancada bolsonarista e do PL. Caso mantivesse a decisão do plenário, poderia ser responsabilizado por descumprimento de ordem judicial.
A renúncia surge, nesse contexto, como uma saída política para retirar o conflito do centro do palco institucional, encerrando formalmente o mandato sem que a Mesa Diretora tivesse de executar a decisão do STF.
A estratégia preserva, ainda, uma narrativa cara à extrema direita: a de que Zambelli não foi afastada por imposição judicial, mas teria deixado o cargo por decisão própria.
Essa construção discursiva permite ao PL sustentar publicamente que não houve submissão ao Supremo, mesmo após a Corte afirmar que a perda do mandato é consequência automática da condenação criminal transitada em julgado.

O gesto, no entanto, não altera o núcleo do problema. A renúncia não anula a condenação, não interfere no processo de extradição em curso na Justiça italiana e não impede o cumprimento da pena caso o pedido do governo brasileiro seja aceito.
Tampouco resolve a disputa institucional que veio à tona: a tentativa do Legislativo de relativizar decisões judiciais definitivas quando envolvem parlamentares alinhados a um projeto político autoritário.
A permanência de Zambelli no mandato, mesmo após condenação, foi tratada como um teste de força. A Câmara, ao rejeitar a cassação, sinalizou que parte do Parlamento está disposta a usar o plenário como escudo político contra decisões judiciais, especialmente quando atingem quadros simbólicos do bolsonarismo. A renúncia não reverte esse precedente, apenas interrompe seu curso imediato.
Outro elemento central é o timing da decisão. Zambelli está presa na Itália desde que deixou o Brasil após a condenação. O pedido de extradição deve ser analisado nos próximos dias pela Justiça italiana.
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A renúncia ao mandato elimina um argumento político adicional na tentativa de sustentar perseguição institucional ou instabilidade jurídica no país de origem, tese já enfraquecida nos autos do processo internacional.
A saída também permite ao PL reorganizar sua bancada sem o desgaste contínuo de defender uma parlamentar condenada por crimes que atingem diretamente o funcionamento do sistema judicial brasileiro.
Com a posse do suplente Adilson Barroso, o partido mantém a cadeira em São Paulo, ao mesmo tempo em que desloca o foco da crise para o campo judicial, onde a defesa de Zambelli seguirá seu curso.
O episódio se insere em um cenário mais amplo de enfrentamento entre instituições desde os ataques de 8 de janeiro de 2023. Casos como os de Carla Zambelli, Alexandre Ramagem e Eduardo Bolsonaro evidenciam uma estratégia recorrente: tensionar os limites institucionais, transformar decisões judiciais em embates políticos e mobilizar o discurso de perseguição para manter coesão ideológica da base.
A renúncia, portanto, não representa recuo ideológico nem reconhecimento de culpa. É um movimento calculado para reduzir danos políticos imediatos, preservar narrativas e evitar que a Câmara se tornasse o epicentro de um conflito aberto com o Supremo.
O impasse foi desarmado no curto prazo, mas a disputa de fundo permanece: até onde vai a disposição de parte do Legislativo de confrontar o Judiciário quando a responsabilização atinge atores centrais da extrema direita brasileira.
Mais do que o destino individual de Zambelli, o episódio revela os limites — e os riscos — de um Parlamento que, em determinados momentos, parece disposto a tensionar a legalidade para proteger seus próprios membros.
A renúncia encerra um capítulo, mas não resolve o conflito estrutural entre democracia, responsabilização penal e projetos políticos que seguem testando as instituições do país.











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