Avanço progressista

Brasília (DF) — O Brasil vive uma divisão silenciosa dentro de sua juventude. Enquanto mulheres entre 15 e 35 anos se aproximam de pautas progressistas e reivindicam um Estado mais forte e garantidor de direitos, os homens da mesma geração se mostram mais distantes da política e mais suscetíveis ao discurso conservador. A constatação está na pesquisa Juventudes: um desafio pendente, divulgada pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES Brasil), que ouviu 2.024 jovens em todas as regiões do país.

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O levantamento aponta que 20% das mulheres jovens se declaram de esquerda, contra 16% dos homens, e que 65% delas priorizam políticas públicas de saúde, educação e combate à pobreza.

A diferença de gênero também se revela nas percepções sobre direitos e igualdade: 66% dos jovens apoiam a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero, 58% defendem o casamento entre pessoas do mesmo sexo e 59% concordam que pessoas trans devem ter acesso a cuidados de saúde relacionados à afirmação de gênero.

Contudo, esse espectro progressista demonstra ter limites bem definidos. Enquanto há amplo endosso a pautas de identidade e liberdades individuais, o tema do aborto revela uma forte contenção cultural: 51% dos jovens se declararam contrários à sua legalização.

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Este contraste prova que o “progressismo” desta geração não é um bloco ideológico homogêneo, mas sim uma convergência seletiva, com maior aceitação em temas de diversidade e maior conservadorismo em questões morais sensíveis.

Também é possível observar a persistência entre ambos os gêneros de um traço de desconfiança nas instituições políticas. Dois terços dos entrevistados consideram a democracia a melhor forma de governo, mas quase metade (49%) acredita que ela pode funcionar sem partidos.

Outros 58% afirmam preferir um líder forte a partidos ou instituições, enquanto apenas 29% admitem simpatia por governos autoritários. A juventude brasileira, ao mesmo tempo em que rejeita rupturas democráticas, parece buscar novas formas de representação fora da política tradicional.

Para o diretor de projetos da FES Brasil, Willian Habermann, esse comportamento reflete um cansaço coletivo com a política institucional. A pesquisa mostra que 57% dos jovens não confiam em partidos, 45% desconfiam da Presidência e 42% do Legislativo.

Avanço progressista

Em contrapartida, universidades, igrejas e meios de comunicação aparecem como instituições de maior credibilidade. A crise de confiança, segundo ele, convive com uma percepção pragmática: a maioria reconhece o papel do Estado como essencial para garantir oportunidades, educação e segurança.

Os dados sugerem que as mulheres jovens encarnam uma forma de engajamento político mais voltada à defesa de direitos e à empatia social, enquanto os homens manifestam uma retração cívica, marcada pela aversão à política e pelo desencanto com as instituições.

Entre elas, a crença na ação do Estado permanece mais sólida; entre eles, prevalece o descrédito generalizado. A diferença, mais do que ideológica, é de sensibilidade social.

A pesquisa também revela que a juventude brasileira, embora crítica, não é apática. Mais de 86% defendem a prioridade de oferta de educação e saúde pelo Estado, 85% valorizam a proteção ao meio ambiente e 60% acreditam que deve haver um imposto adicional sobre grandes fortunas para redistribuição de renda.

Ao mesmo tempo, 75% defendem a autonomia dos povos indígenas e das comunidades tradicionais sobre seus territórios, e 71% apoiam a regulamentação das plataformas digitais.

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Essa geração digital, contudo, vive uma contradição. Quase 93% dizem buscar informações nas redes sociais, mas poucos checam a veracidade das fontes. O YouTube, o WhatsApp e o Instagram substituem o jornal e o debate público, criando uma forma de engajamento difuso, mais emocional que programático. Em outras palavras, a influência política não vem mais do partido, mas do algoritmo.

A pesquisa mostra ainda que, apesar das desigualdades persistentes, a juventude mantém otimismo em relação ao futuro: 88% acreditam que sua vida melhorará nos próximos cinco anos. Mesmo assim, 55% estão insatisfeitos com a situação do país, e 46% com a economia. Para muitos jovens negros, mulheres e pessoas das classes mais baixas, a promessa de ascensão social via trabalho e escolarização ainda não se concretizou.

O resultado é um retrato de um país em transição política e cultural, no qual as mulheres assumem um papel mais ativo do que os homens na defesa da democracia e dos direitos sociais.

Entre a confiança no Estado e a descrença na política, o Brasil assiste à formação de uma nova geração de eleitores que quer direitos sem intermediários e democracia sem partidos.

Mais do que uma divisão ideológica, o que emerge é um novo tipo de consciência política — menos partidária, mais social — que pode redefinir o futuro do país. Se há uma força de renovação democrática no horizonte, ela parece vir das mulheres que cresceram acreditando que a política ainda pode mudar vidas, mesmo quando os homens à sua volta começam a duvidar disso.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e editor-chefe da IA Dinheiro. Produz reportagens e conteúdos com foco em economia, democracia, desigualdade e políticas públicas.

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