A decisão da Câmara de manter o mandato de Carla Zambelli, mesmo diante de condenação definitiva e prisão no exterior, abriu uma fissura institucional que agora retorna como cobrança: Paulo Maluf, afastado sem direito a plenário quando foi condenado, prepara uma ofensiva jurídica para recuperar simbolicamente o mandato perdido — e, de quebra, pedir indenização pelo período em que ficou impedido de exercer o cargo.
O movimento nasce de um contraste gritante criado pelo próprio Legislativo. Em 2017, quando Maluf foi condenado pelo STF, a Mesa Diretora simplesmente declarou a vacância do mandato, seguindo a interpretação de que a Constituição exige perda automática em caso de trânsito em julgado. Nada de debate político, nada de votação: apenas o cumprimento frio da norma.
O caso Zambelli, porém, foi tratado como se pertencesse a outro ordenamento jurídico. Presa na Itália, condenada a dez anos por chefiar uma invasão hacker ao CNJ, a deputada ganhou direito a julgamento político no plenário — mesmo estando impossibilitada de comparecer ao trabalho.
Para a defesa de Maluf, esse tratamento dividido não é detalhe, é a própria violação. O advogado Eduardo Galil sustenta que “condenado com trânsito em julgado perde o mandato, ponto”. E aponta o óbvio: se a regra vale para uns, precisa valer para todos.
Se a Câmara decidiu que agora é o plenário quem decide, e não mais a Mesa, por que isso não foi garantido ao ex-deputado paulista? A resposta institucional não existe. O que há, por enquanto, é a evidência de que o Legislativo produz critérios conforme sua conveniência política.
A desigualdade de tratamento entre os dois casos tem sido lida por juristas e parlamentares como um problema que vai muito além da disputa entre figuras públicas controversas.
Trata-se de saber qual poder estabelece o marco final na relação entre condenação criminal e exercício de mandato: o STF, ao aplicar automaticamente as consequências da sentença, ou o plenário da Câmara, que pode suspender a execução conforme seus interesses.

A escolha feita para Zambelli abriu a interpretação mais generosa possível para uma parlamentar bolsonarista que fugiu do país — e que segue presa no exterior.
Esse precedente, por sua vez, funciona como alavanca para o pedido de Maluf. Segundo Galil, a estratégia é aguardar a formalização da decisão da Câmara sobre Zambelli e, imediatamente depois, ingressar com ação no Supremo pedindo que o ex-deputado tenha seu mandato reconhecido retroativamente.
A tese é simples: se a Câmara admite que o plenário tem a palavra final mesmo após trânsito em julgado, então a cassação sumária de Maluf se deu de forma irregular. E dano institucional irregular pode gerar reparação — daí o pedido de indenização.
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Nos bastidores políticos, há quem veja o gesto como uma flecha enviada com endereço certo: Arthur Lira. Ainda influente no PP e desalinhado com Hugo Motta após a crise envolvendo a tentativa de cassação de Glauber Braga, Lira teria enxergado na manobra de Maluf uma oportunidade de pressionar o atual presidente da Casa.
A defesa do ex-deputado nega qualquer articulação. Mas, independentemente da motivação, o impacto é evidente: o caso mostra como decisões tomadas ao sabor do momento podem voltar à Câmara como um boomerang jurídico de grande potencial.
Se o Supremo for chamado a se manifestar, voltará ao tema que o Congresso insiste em empurrar para a ambiguidade: quem tem a palavra final sobre a perda de mandato?
Será preciso afirmar, com clareza, se condenação definitiva produz efeitos automáticos ou se depende da vontade política dos parlamentares. Válvula de escape, casuísmo ou autonomia institucional: a resposta moldará o alcance futuro de decisões criminais sobre autoridades eleitas.
Enquanto isso, resta observar o próximo passo de Hugo Motta. Sua decisão sobre Zambelli não definirá apenas se a deputada manterá o cargo enquanto cumpre pena na Europa — definirá também até onde vai a disposição da Câmara de criar exceções que, cedo ou tarde, retornam como cobrança judicial. Para Maluf, o precedente já está dado. Para o Legislativo, a conta ainda está por vir.











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