Brasília (DF) — O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta quinta-feira (11) a decisão da Câmara dos Deputados que havia mantido o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP), apesar de sua condenação criminal com trânsito em julgado, ao afirmar que a perda do cargo é consequência automática da sentença e que ao Legislativo cabe apenas declarar a vacância, não deliberar politicamente sobre a execução da decisão judicial.
A intervenção do Supremo encerrou juridicamente uma votação que já nascia com desfecho previsível, mas abriu uma disputa política mais profunda entre os Poderes. Ao levar o caso de Zambelli ao plenário, mesmo diante de jurisprudência consolidada da Corte, a Câmara não buscou resolver uma dúvida constitucional real.
O gesto foi outro: afirmar que o mandato eletivo ainda pode funcionar como espaço de negociação política, mesmo quando a condenação penal já retirou do parlamentar os direitos básicos para o exercício do cargo.
A aposta da maioria que manteve o mandato foi ancorada no discurso da “soberania do voto”, apresentado como defesa da democracia representativa.
Na prática, porém, esse argumento foi mobilizado de forma seletiva, não para proteger a vontade popular, mas para preservar um privilégio institucional. O voto, nesse contexto, deixou de ser expressão da soberania democrática para se tornar instrumento de blindagem política, acionado apenas quando interessa à autoproteção do Parlamento.
A decisão de Moraes rompeu justamente com essa lógica. Ao declarar nula a votação e determinar a posse imediata do suplente, o ministro reafirmou um entendimento que vem se consolidando no STF: a condenação criminal definitiva, acompanhada de regime fechado e suspensão dos direitos políticos, torna incompatível a permanência no mandato.
Não se trata de ativismo judicial, mas da aplicação direta da Constituição diante de um Legislativo que se recusa a impor limites a si próprio.
O caso Zambelli escancarou uma tensão antiga do sistema político brasileiro. Historicamente, o Congresso resistiu a qualquer mecanismo que retire do plenário o controle final sobre a perda de mandatos, justamente porque esse controle funciona como moeda de barganha.

Transformar a cassação em consequência automática da sentença judicial reduz a margem de negociação, enfraquece acordos internos e ameaça um dos últimos espaços de proteção corporativa da classe política.
É nesse ponto que a reação bolsonarista ganha sentido. A derrota no caso Zambelli não se limita à parlamentar ou a seu grupo mais próximo. Ela sinaliza o esgotamento de uma estratégia política que aposta no confronto institucional como forma de resistência.
Ao insistir em votar o que já estava decidido, a ala bolsonarista tentou produzir um conflito simbólico com o STF, capaz de alimentar narrativas de perseguição e mobilizar sua base. O resultado, porém, foi o oposto: a Corte reafirmou sua autoridade e expôs a fragilidade dessa ofensiva.
A tentativa de sustentar o mandato também teve um cálculo externo. Com Zambelli presa na Itália e alvo de pedido de extradição, a manutenção formal do cargo foi usada como argumento político para relativizar a legitimidade da condenação.
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A mensagem implícita era a de que o próprio Congresso brasileiro não reconheceria plenamente a perda do mandato, reforçando discursos de vitimização no exterior. A anulação da votação esvaziou essa narrativa e recolocou o processo no terreno jurídico.
Internamente, o episódio deixou o presidente da Câmara, Hugo Motta, no centro do impasse. Ao receber ordem direta para declarar a vacância e empossar o suplente, Motta passou a carregar o custo político que antes estava diluído no plenário.
A personalização do conflito expõe a dificuldade do Congresso em sustentar coletivamente uma estratégia de enfrentamento quando o Judiciário fecha as brechas institucionais que permitiam prolongar disputas.
A reação de líderes partidários após a decisão do STF evidenciou essa divisão. Enquanto setores da oposição atacaram Moraes e acusaram o Supremo de interferência indevida, parlamentares governistas e juristas próximos ao campo progressista defenderam a decisão como necessária para preservar o Estado de Direito.
O discurso inflamado, porém, não alterou o fato central: a Câmara perdeu o controle do processo no momento em que tentou transformar a execução da pena em escolha política.
Para além do caso concreto, o embate revela uma questão estrutural. A democracia representativa não se sustenta quando seus próprios representantes se colocam acima da lei. Invocar a soberania do voto para relativizar condenações penais definitivas distorce o sentido do mandato e aprofunda a desconfiança social nas instituições.
O voto popular confere legitimidade para legislar e representar, não para suspender as consequências de crimes comprovados.
A decisão de Moraes, nesse sentido, funciona como um limite externo a um sistema político que historicamente falhou em se autorregular. Ao impor a perda do mandato, o STF não substitui a política, mas ocupa um espaço deixado por um Congresso que insiste em proteger seus pares.
A derrota da estratégia bolsonarista no confronto com a Corte não decorre apenas de força jurídica, mas da incapacidade de sustentar, diante da sociedade, a ideia de que privilégios institucionais podem se sobrepor à lei.
O caso Zambelli tende a produzir efeitos além de seu desfecho imediato. Ao reduzir a margem de manobra do Parlamento em situações semelhantes, o STF sinaliza que a disputa não será resolvida no voto simbólico do plenário, mas no cumprimento objetivo da Constituição.
Para o Congresso, resta decidir se continuará apostando em confrontos retóricos ou se aceitará que a soberania democrática não se confunde com a preservação de privilégios políticos.











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