Nairobi (Quênia) — O planeta está cada vez mais perto de cruzar um limite climático irreversível. Segundo o novo relatório “Lacuna de Emissões”, divulgado nesta terça-feira (4) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os compromissos assumidos pelos países até agora só seriam capazes de conter o aquecimento global a cerca de 2,3 °C neste século — quase um grau acima da meta de 1,5 °C prevista no Acordo de Paris. O documento alerta que, sem uma mudança drástica de políticas públicas, as próximas décadas serão marcadas por alterações profundas na geografia climática e social do planeta.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou o relatório como “claro e direto” e afirmou que a ultrapassagem temporária do limite de 1,5 °C é “inevitável”, mas ainda reversível se houver ação imediata.
“Não é hora de desistir. É hora de intensificar e acelerar a transição”, declarou. Guterres pediu que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém, sirva como ponto de virada global, com compromissos reais para cortar emissões e acelerar o abandono dos combustíveis fósseis.
O Pnuma aponta que, mesmo se todas as metas nacionais forem integralmente cumpridas até 2035, as emissões mundiais ainda estarão muito acima do necessário para estabilizar o clima. Para conter o aquecimento em 1,5 °C, seria preciso reduzir as emissões de gases-estufa em 55% até 2035.
A diferença entre o prometido e o necessário é o que o relatório chama de “lacuna de ambição”. Essa brecha tem consequências diretas: elevação do nível do mar, perda de biodiversidade e aumento de eventos extremos, que atingem sobretudo países tropicais e pobres.
A mudança, porém, não é apenas gradual — é estrutural, e o aquecimento global começa a alterar paisagens históricas do planeta. Um estudo conduzido na Universidade de Illinois em Chicago conclui que o Deserto do Saara, uma das regiões mais áridas do mundo, pode se tornar significativamente mais úmido até o fim do século.
Com base em 40 modelos climáticos, os cientistas projetam até 75% de aumento na precipitação média anual, o que transformaria o equilíbrio ecológico de toda a África setentrional.
Thierry Ndetatsin Taguela, autor principal da pesquisa, explica que o fenômeno está relacionado ao aumento da umidade atmosférica e à intensificação de correntes quentes vindas do Atlântico.
“As mudanças nos padrões de chuva afetarão bilhões de pessoas, dentro e fora da África. Precisamos planejar desde já como enfrentar essa transição, do controle de enchentes ao cultivo de plantas resistentes à seca”, afirmou.

O estudo prevê que o centro e o sudeste do continente também fiquem mais úmidos, enquanto o sudoeste tende a se tornar mais árido.
Esses movimentos simultâneos — o aquecimento global e a redistribuição das chuvas — confirmam o que o Pnuma chama de “complexidade regional do colapso climático”.
Não há um único padrão: o mundo se aquece de forma desigual, criando ilhas de umidade em desertos e secas em florestas. É o prenúncio de um século em que o mapa climático deixará de se parecer com o que a civilização conheceu.
A ONU estima que cada décimo de grau evitado pode reduzir significativamente os danos humanos e econômicos. Segundo o relatório, a redução global de emissões em 35% já diminuiria a escalada de perdas em saúde, agricultura e infraestrutura. Para Guterres, a transição energética não é apenas ambiental, mas econômica.
“As energias renováveis são agora as mais baratas e rápidas de implementar. Reduzem a poluição, fortalecem a segurança energética e criam milhões de empregos dignos”, afirmou.
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A COP30, marcada para os próximos dias no Brasil, é vista como oportunidade para reposicionar o debate climático no eixo do desenvolvimento. O governo brasileiro aposta em propostas de financiamento verde e compensação por serviços ambientais, especialmente ligados à Amazônia.
A expectativa é que o encontro em Belém estabeleça um marco para uma “transição justa” — conceito que busca conciliar redução de emissões e crescimento econômico inclusivo.
Enquanto isso, os dados do Pnuma reforçam a urgência: o mundo já aqueceu 1,3 °C em relação à era pré-industrial, e as emissões continuam em trajetória ascendente.
A ciência mostra que o impacto será desigual — os mais pobres serão os mais atingidos, ainda que tenham contribuído menos para o problema. Em um planeta 2,3 °C mais quente, o desafio não será apenas conter o calor, mas viver em um novo equilíbrio climático.










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