Pequim (China) — Em um mundo dividido por sanções, tarifas e tensões geopolíticas, China e Rússia seguem reforçando uma aliança econômica que desafia a lógica tradicional da globalização. Ao receber o primeiro-ministro russo Mikhail Mishustin no Grande Salão do Povo, nesta terça-feira (4), o presidente Xi Jinping afirmou que “apesar do ambiente externo turbulento, as relações sino-russas seguem avançando com qualidade e profundidade”. O encontro consolidou a aproximação estratégica entre as duas potências e confirmou a intenção de expandir a cooperação para setores de alta tecnologia, energia limpa e inteligência artificial.
Xi destacou que a parceria entre os dois países é um “escolha estratégica compartilhada” e que deve servir aos “interesses fundamentais de ambos os povos”. Segundo ele, as discussões com o presidente Vladimir Putin, em Moscou e Pequim, resultaram em novos planos de cooperação e metas conjuntas.
A prioridade agora é alinhar o 15º Plano Quinquenal chinês às estratégias de desenvolvimento econômico e social da Rússia. “Devemos buscar sinergia entre nossos planos nacionais e contribuir conjuntamente para a paz e o desenvolvimento mundial”, afirmou o líder chinês.
O discurso se encaixa na narrativa de “modernização pacífica” que Xi tem usado para posicionar a China como polo de estabilidade num cenário global marcado por tarifas, protecionismo e reconfiguração de cadeias de suprimento.
Ao mesmo tempo, a parceria com Moscou reforça a busca chinesa por fontes seguras de energia e mercados para sua indústria tecnológica. Pequim vê na cooperação com a Rússia uma forma de garantir autonomia produtiva frente à pressão americana sobre semicondutores, mineração e tecnologia dual.
Do lado russo, Mishustin transmitiu os cumprimentos de Putin e reafirmou o compromisso com o “importante consenso” firmado entre os presidentes. Ele destacou que os dois países pretendem ampliar a integração econômica em energia, agricultura, aviação, espaço e economia digital.
“A Rússia está pronta para aprofundar a cooperação em ciência, tecnologia e comércio, e fortalecer a coordenação multilateral com a China”, afirmou o premiê.
A visita ocorre em um momento de reequilíbrio global. Com os Estados Unidos e a União Europeia endurecendo sanções contra Moscou e impondo barreiras tarifárias à China, os dois países buscam acelerar a criação de um sistema de pagamentos alternativo e de cadeias produtivas autônomas.

No campo energético, o gasoduto Força da Sibéria 2, em negociação desde 2019, é símbolo dessa nova fase. O projeto ampliaria em mais de 50 bilhões de metros cúbicos anuais o fornecimento de gás russo à China, reduzindo a dependência de ambos das rotas ocidentais.
A cooperação tecnológica também se tornou pilar estratégico. O novo plano chinês prioriza inteligência artificial, computação quântica e economia verde, áreas em que Moscou busca parceria diante do isolamento tecnológico imposto pelo Ocidente.
Xi propôs explorar o potencial de cooperação em IA e economia digital, frase que ressoa o discurso de que inovação é instrumento de soberania, não apenas de competitividade.
Analistas veem na aproximação sino-russa menos uma aliança ideológica e mais um pacto de sobrevivência produtiva. Com o comércio bilateral superando US$ 220 bilhões em 2024, a relação evolui para além do petróleo e do gás.
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Empresas russas começam a participar de projetos de infraestrutura na Ásia Central financiados pela Iniciativa Cinturão e Rota, enquanto conglomerados chineses investem em logística e portos no Ártico russo. O objetivo é consolidar um corredor econômico eurasiático capaz de competir com as rotas comerciais dominadas pelo Ocidente.
Para o Sul Global, essa reconfiguração tem duplo significado. De um lado, oferece um modelo de integração baseado em infraestrutura, energia e tecnologia — e não em finanças especulativas.
De outro, reabre o debate sobre a dependência de países emergentes diante de novas potências. Brasil, Índia e África do Sul, parceiros de ambos no BRICS, veem na parceria sino-russa uma oportunidade de diversificar alianças sem romper com o sistema ocidental.
A presença do chanceler Wang Yi na reunião reforça a dimensão diplomática do encontro. Ele tem sido o principal articulador da estratégia chinesa de “multipolaridade pragmática”, que busca diálogo com a Europa, ao mesmo tempo em que estreita laços com países sancionados pelos Estados Unidos.
O cálculo é ampliar a influência econômica e diplomática de Pequim enquanto Washington e Bruxelas se concentram em suas disputas internas.
A nova fase da relação sino-russa não é de alinhamento total, mas de interdependência funcional. Moscou precisa de tecnologia e liquidez; Pequim precisa de energia e respaldo político em fóruns multilaterais. A lógica é de convergência de necessidades — e não de blocos ideológicos.
No balanço global, a aliança sino-russa expressa o que Xi Jinping chamou de “cooperação de alto nível e alta qualidade”: um projeto de modernização que pretende moldar o século XXI fora do eixo financeiro tradicional.










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