Há momentos na vida política de um país em que o tempo parece ganhar densidade. Hoje, 22 de novembro, dia em que Bolsonaro foi preso preventivamente, é um desses momentos — não por surpresa, não por espetáculo, mas pela sensação de que o Brasil, enfim, cruzou uma fronteira que evitou durante décadas.
Não se trata apenas do destino de um ex-presidente. Trata-se do destino de uma democracia que decidiu olhar para si mesma e perguntar: até onde estamos dispostos a aceitar que as instituições sejam tratadas como adereços?
A prisão não veio do nada. Ela é o desfecho de um roteiro conhecido demais, repetido à exaustão. Bolsonaro sempre apostou no improviso permanente: descumprir medidas judiciais, tensionar o discurso contra o STF, insinuar rupturas, convocar seguidores para pressionar autoridades, transformar crises de responsabilidade em atos de fé política.
A tática funcionou enquanto o país tolerou a chantagem emocional travestida de “liberdade”. Funcionou enquanto parecia possível flertar com o abismo sem cair nele.
Mas o tempo — esse mesmo que às vezes cochila — também amadurece. Depois do 8 de janeiro, depois das investigações, depois da fúria de uma multidão manipulada contra as instituições, o país aprendeu que democracia não se sustenta só com boa vontade. Ela precisa de freios. E freios só funcionam quando são aplicados.
A prisão preventiva é, nesse sentido, menos uma resposta ao ato da véspera e mais uma resposta à soma dos anos anteriores. É o Estado dizendo que não aceita mais ser palco de ameaças performáticas, lives conspiratórias, deboches de decisões judiciais e tentativas ocultas ou explícitas de esgarçar o pacto republicano. É o Estado dizendo: acabou.
Não se pode ignorar que Bolsonaro mobilizava sua condição jurídica como arma política. Cada medida cautelar descumprida servia para produzir insegurança, alimentar seguidores, testar os limites de paciência das instituições.
A convocação da vigília — gesto menor em potência, mas enorme em simbolismo — só evidenciou que essa estratégia continuava ativa mesmo diante de uma condenação já definida na ação penal da trama golpista.
A decisão de Moraes, vista por alguns como dura, é, na verdade, consequência. Consequência de um ex-presidente que confundiu imunidade com impunidade, que viu decisões judiciais como sugestões e que tratou a democracia como um jogo cujo único objetivo era não perder poder.
Há quem tente transformar esse momento em narrativa de perseguição.
Mas fatos continuam sendo fatos: não há precedente na história brasileira de um presidente que tenha incentivado desconfiança sobre eleições que ele próprio organizou, apoiado atos que pediam intervenção militar, articulado redes para minar instituições e incitado seguidores a agredir fisicamente o próprio Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
Democracia não é obrigada a ser tolerante com quem quer destruí-la.
É aqui que está o ponto central desta opinião: a prisão preventiva não é ruptura — é defesa. Não é excesso — é contingência. Não é vitória de um lado político — é a vitória da ideia de que a lei precisa valer para todos, especialmente para quem tentou instrumentalizá-la.
E, sim, este é um momento que redefine o bolsonarismo. Sem o líder operando em liberdade, a máquina que vive de polarização permanente perde sua usina de energia.
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Resta ao movimento um dilema que suas próprias práticas atrasaram: aprender a existir sem o líder, sem o mito, sem o fiador das fantasias autoritárias. Resta descobrir se consegue sobreviver fora da sombra do conflito constante — ou se implode sob o peso da ausência de direção.
O Brasil entra agora em uma fase nova: aquela em que a democracia reage. Não reage com tanques, como no passado. Reage com instituições. Com processo.
Com jurisprudência. Com vigilância cívica. E isso é, no fim das contas, a demonstração mais madura possível de que o país finalmente compreendeu que liberdade sem responsabilidade é licença para a destruição.
A democracia tem limites. E, quando necessários, precisa defendê-los. Hoje, ela o fez.





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