Sudão

Genebra (Suíça) — O Conselho de Direitos Humanos da ONU realizou nesta sexta-feira (14) uma sessão de emergência para avaliar a criação de uma missão internacional de apuração dos massacres em al-Fashir, cidade de Darfur tomada pelas Forças de Apoio Rápido em 26 de outubro, diante de denúncias de assassinatos, estupros e bloqueio de ajuda, reforçando a pressão global por responsabilização em uma guerra que já mergulha o Sudão em colapso social e humanitário.

continua depois da publicidade

A reunião foi convocada após a consolidação do controle das Forças de Apoio Rápido (RSF) sobre Darfur, marco que elevou o temor de novas violações sistemáticas contra civis em uma região historicamente marcada por conflitos étnicos.

O projeto de resolução apresentado ao conselho propõe criar uma missão independente para investigar os ataques e identificar responsáveis por crimes cometidos em al-Fashir e arredores. O texto, visto pela Reuters, condena assassinatos motivados por etnia, tortura e o uso do estupro como arma de guerra.

Em discurso aos delegados, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou que a comunidade internacional “encenou muito e agiu pouco” diante da escalada da violência.

continua depois da publicidade

Ele classificou as práticas relatadas como “crueldade descarada”, criticando a incapacidade dos Estados de conter grupos armados que têm se fortalecido em meio ao vácuo político e institucional do Sudão. Türk também alertou para a deterioração rápida da segurança na região de Kordofan, onde bombardeios e bloqueios têm deslocado milhares de pessoas.

As RSF negam sistematicamente qualquer ataque deliberado a civis ou obstrução de ajuda humanitária, atribuindo os abusos a “atores isolados”. No entanto, a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos para o Sudão apresentou relatos contundentes.

Mona Rishmawi, uma de suas integrantes, descreveu múltiplos testemunhos de estupro, assassinatos e tortura, afirmando que a Universidade El-Fasher teria sido convertida pelas RSF em um “campo de extermínio”, onde milhares de civis estavam abrigados antes de serem atacados.

Testemunhas relatam ainda corpos empilhados nas ruas e trincheiras cavadas dentro e ao redor da cidade. A tomada de Bara, ponto estratégico entre Darfur e o Sudão central, indica que a força paramilitar redireciona seu avanço para o leste, ampliando o alcance territorial e a pressão sobre áreas controladas pelo exército.

Essa dinâmica reforça o risco de que a guerra, já com mais de dois anos e meio, entre em uma fase ainda mais fragmentada, dificultando qualquer perspectiva de mediação ou cessar-fogo.

Sudão

A proposta apresentada ao Conselho, porém, não exige investigar o possível papel de atores externos no apoio às RSF, ponto criticado pelo Sudão. O embaixador Hassan Hamid Hassan afirmou que o país enfrenta “uma guerra existencial” agravada pela inação internacional, acusando os Emirados Árabes Unidos de fornecer armamento ao grupo paramilitar.

As acusações — que especialistas da ONU e parlamentares americanos consideram plausíveis — foram rejeitadas veementemente por Jamal Al Musharakh, representante emiradense em Genebra.

Reino Unido, União Europeia, Noruega e Gana declararam apoio ao mecanismo de investigação, destacando que a violência em Darfur ameaça não apenas o Sudão, mas a estabilidade regional.

Para capitais ocidentais, documentar adequadamente os crimes é condição essencial para qualquer processo futuro de responsabilização, passo considerado fundamental para reconstrução institucional e para a retomada de fluxos de ajuda internacional. A exigência de abertura imediata de corredores humanitários figura como uma das prioridades do texto.

Relatos recentes de mulheres que escaparam de al-Fashir apontam assassinatos, estupros sistemáticos e ataques a civis nas ruas, muitos perpetrados por drones. Organizações humanitárias alertam para uma crise de fome iminente: milhares de pessoas seguem presas na cidade sem acesso a alimentos, medicamentos ou rotas seguras de fuga.

Leia Mais

Vale destacar que a destruição de infraestrutura básica e a expulsão de comunidades inteiras podem aprofundar desigualdades históricas e comprometer qualquer plano de reconstrução a longo prazo.

Para analistas da região, a criação de uma missão de apuração dos fatos não resolve o conflito, mas simboliza um passo essencial para romper o ciclo de impunidade que, por décadas, sustentou a violência em Darfur.

A pressão internacional pode influenciar futuras negociações políticas, especialmente se acompanhada de apoio econômico e diplomático a iniciativas de paz. Em paralelo, o Sudão precisa de condições mínimas de estabilidade institucional para reativar serviços públicos, restabelecer fluxos econômicos e reduzir a vulnerabilidade das populações deslocadas.

A resolução será votada nos próximos dias, e sua aprovação dependerá da capacidade dos Estados-membros de superar disputas geopolíticas que há anos travam ações mais firmes no país. Se avançar, o mecanismo poderá fornecer um registro detalhado das violações e servir de base para futuras ações no âmbito internacional.

Enquanto isso, milhões de sudaneses continuam expostos à guerra, ao deslocamento e à fome, num cenário que exige respostas urgentes não apenas para punir culpados, mas para garantir condições mínimas de vida e reconstrução.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Ainda não há comentários nesta matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima