Venezuela
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Washington (EUA) — Os Estados Unidos estão reativando uma antiga base naval no Caribe e deslocando navios e aeronaves de guerra para a região em uma das maiores mobilizações militares desde a década de 1990. As obras na antiga instalação de Roosevelt Roads, em Porto Rico — desativada há mais de vinte anos — começaram em setembro e incluem repavimentação de pistas, instalação de radares, tendas operacionais e infraestrutura de apoio aéreo. Segundo imagens de satélite e documentos obtidos pela Reuters, o movimento integra uma estratégia mais ampla de reposicionamento militar e econômico no hemisfério ocidental.

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A base, situada a menos de 800 quilômetros da costa venezuelana, está sendo preparada para receber cargueiros C-17, caças F-35 e drones MQ-9 Reaper, numa configuração logística capaz de sustentar operações prolongadas no Caribe.

O Pentágono não comentou oficialmente, mas fontes militares ouvidas pela Reuters afirmam que a estrutura “pode apoiar missões humanitárias, antinarcóticos ou de segurança hemisférica”. Ainda assim, a coincidência entre o avanço das obras e a crescente tensão entre Washington e Caracas reforça a hipótese de que o interesse vai além da retórica de combate ao tráfico.

A reativação da base ocorre em um contexto de transição energética e reindustrialização dos Estados Unidos. Desde 2022, o governo norte-americano tem buscado reduzir dependências da Ásia, sobretudo da China, e reconstruir cadeias de suprimento críticas — o chamado nearshoring. O Caribe e a costa norte da América do Sul voltaram a ser peças centrais nessa reconfiguração, conectando o Golfo do México ao Atlântico Sul e ao Canal do Panamá.

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“A infraestrutura militar é parte da infraestrutura produtiva”, avalia Christopher Hernandez-Roy, pesquisador do Center for Strategic and International Studies (CSIS) em entrevista à Reuters. “Bases e aeroportos garantem segurança física a fluxos comerciais e energéticos, especialmente em regiões instáveis.”

Por trás desse realinhamento está também o petróleo. A Venezuela, detentora das maiores reservas comprovadas do planeta — cerca de 300 bilhões de barris —, voltou ao radar de Washington após anos de sanções e isolamento. Embora a produção do país esteja longe dos níveis de uma década atrás, o peso estratégico de suas reservas é inegável.

O Financial Times revelou que Caracas suspendeu recentemente acordos de gás com Trinidad e Tobago em protesto contra a presença militar americana na região, evidenciando o impacto direto da ofensiva sobre a política energética local.

Ao mesmo tempo, o governo Trump tem endurecido o bloqueio sobre as exportações venezuelanas. Em maio, a Casa Branca encerrou licenças que permitiam à Chevron operar em território venezuelano, enquanto manteve autorizações restritas para a preservação de ativos.

A decisão teve efeito simbólico e econômico: sinalizou que o petróleo venezuelano continua sob disputa, mas que o acesso direto aos campos da Faixa do Orinoco dependerá de mudanças no regime de Nicolás Maduro.

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Analistas veem a reativação de Roosevelt Roads e o deslocamento naval no Caribe como parte de uma estratégia de longo prazo para controlar rotas energéticas e fluxos marítimos.

A presença de navios de reabastecimento (USNS Kanawha e USNS Joshua Humphreys) e destróieres com mísseis guiados reforça a capacidade dos EUA de monitorar e, se necessário, bloquear movimentos logísticos de países da região.

Essa estrutura também cria um arco de vigilância sobre as novas fronteiras de gás natural da Guiana e do Suriname, onde empresas americanas e chinesas competem por concessões.

A nova configuração militar tem um caráter econômico nítido. Desde o lançamento da Américas Partnership for Economic Prosperity em 2023, Washington vem destinando mais de 40 bilhões de dólares a projetos de energia, mineração e infraestrutura no continente.

Esses investimentos se sobrepõem ao mapa militar: bases e portos próximos aos corredores de exportação de petróleo e minérios críticos — lítio, níquel, cobre e grafite — que sustentam a transição energética global.

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A ofensiva no Caribe também marca o retorno da Doutrina Monroe sob um novo disfarce. Se, no século XX, o princípio de “América para os americanos” justificou intervenções diretas, hoje ele se manifesta na disputa por cadeias produtivas e autonomia energética.

O Caribe volta a ser o pátio logístico dos Estados Unidos — não apenas para dissuasão militar, mas para assegurar acesso a recursos e estabilidade de rotas vitais em meio à fragmentação geoeconômica.

Ao reagir à presença chinesa e russa na região, Washington busca não apenas proteger fronteiras, mas redefinir sua esfera de influência em um mundo que se reorganiza em blocos.

A presença de bases e frotas em áreas próximas a reservas de petróleo e minerais críticos revela que a transição energética deixou de ser apenas um tema econômico: tornou-se também uma questão de poder e controle sobre as infraestruturas que a sustentam.

Mais do que uma demonstração de força, o renascimento de Roosevelt Roads simboliza a volta de uma geopolítica clássica com novas roupagens.

A segurança deixou de ser apenas territorial para se tornar também energética, produtiva e tecnológica. No Caribe, as pistas reformadas e os cargueiros em operação não são apenas ferramentas de guerra: são a infraestrutura invisível da economia global em reconfiguração.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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