Pequim — A China e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) assinaram nesta terça-feira (28) uma nova versão do acordo de livre-comércio que amplia o intercâmbio em setores de tecnologia verde, economia digital e infraestrutura regional. O pacto, anunciado após dois anos de negociações, marca uma das mais amplas atualizações comerciais do bloco asiático e simboliza o avanço do Sul Global na construção de uma ordem econômica menos dependente do Ocidente.
Segundo comunicado conjunto, o acordo atualiza o tratado de 2010 e incorpora cláusulas de cooperação em energia limpa, transição digital e integração de cadeias de valor regionais. A nova versão também cria mecanismos para acelerar a redução de barreiras não tarifárias e harmonizar padrões técnicos entre os dez países do bloco e Pequim.
O objetivo, segundo o Ministério do Comércio chinês, é transformar a ASEAN no principal parceiro comercial da China em 2026 — posição que o bloco já ocupou brevemente durante a pandemia.
A assinatura ocorre em um momento de reconfiguração do comércio global. Enquanto Estados Unidos e União Europeia ampliam subsídios e barreiras a produtos estratégicos, países asiáticos consolidam uma rota de integração baseada em custos competitivos, investimento produtivo e estabilidade política relativa.
Juntos, China e ASEAN respondem hoje por quase 20% do comércio mundial e por mais de 60% do crescimento global projetado para 2025, segundo o FMI.
O novo pacto também tem valor simbólico. Ele reforça a consolidação do que economistas chamam de “regionalismo produtivo do Sul Global”: uma arquitetura em que países em desenvolvimento buscam integrar cadeias industriais entre si, reduzindo dependência de mercados maduros.
A cooperação em semicondutores, tecnologia verde e logística — setores antes dominados por Estados Unidos e Europa — é vista como passo decisivo nessa transição.
Para Pequim, o acordo representa uma resposta pragmática ao isolamento comercial imposto por Washington e seus aliados. Desde 2022, o governo americano tem ampliado restrições a exportações chinesas de tecnologia, além de pressionar países a aderirem a políticas de contenção.

A ASEAN, no entanto, manteve a neutralidade estratégica e apostou em parcerias cruzadas. Cingapura, Malásia e Indonésia se tornaram centros de produção de componentes eletrônicos, enquanto Vietnã e Filipinas expandem o setor têxtil e de montagem.
A estrutura do novo pacto inclui cláusulas de sustentabilidade e metas de redução de emissões no transporte marítimo e na indústria, o que tem atraído investimentos chineses em energia solar, eólica e produção de baterias.
Vale destacar que o foco verde da aliança também responde à crescente pressão internacional por descarbonização, mas em bases próprias — menos punitivas e mais voltadas à cooperação técnica.
Do ponto de vista diplomático, o acordo reforça o papel da ASEAN como ator central na arquitetura do Indo-Pacífico.
O bloco tenta equilibrar a relação com a China sem romper laços com os EUA, seu segundo maior parceiro comercial. “A integração regional não é contra ninguém, é a favor do crescimento”, afirmou o secretário-geral da ASEAN, Kao Kim Hourn, em discurso após a assinatura.
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O Brasil e outros países do Sul Global acompanham o movimento com atenção. A aproximação entre economias asiáticas e africanas, via investimentos chineses, pode influenciar rotas de exportação e cadeias produtivas emergentes.
No caso brasileiro, há espaço para integração tecnológica e comercial via BRICS+, especialmente em energia limpa, alimentos e infraestrutura. Inclusive, o Itamaraty vem defendendo uma política de aproximação com o Sudeste Asiático dentro do eixo “Sul-Sul renovado”, que prioriza cooperação produtiva em vez de apenas política.
Nesse contexto, a leitura internacional é de que a globalização, antes comandada pelo Norte, passa por um deslocamento de centro.
O comércio digital, a energia verde e a indústria de semicondutores se tornaram novos campos de disputa e colaboração. A China, ao se alinhar formalmente à ASEAN, projeta estabilidade e interdependência — enquanto o Ocidente debate tarifas, cadeias críticas e nacionalismo econômico.
Para os países do Sul, a prosperidade depende menos de alinhamento e mais de coordenação. O pacto China–ASEAN é, nesse sentido, mais do que um acordo comercial — é um ensaio de autonomia estratégica em escala global.










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