Brasília — A instituição da Política Nacional de Educação Especial Inclusiva (PNEE-Inclusiva), por decreto publicado nesta terça-feira (21), marca a principal ofensiva do governo federal contra a exclusão escolar de crianças e adolescentes com deficiência, autismo e altas habilidades. O texto, coordenado pelo Ministério da Educação (MEC), reafirma o direito ao ensino regular e, de forma inédita, exige cooperação direta com os ministérios da Saúde e da Assistência Social. A política prioriza o monitoramento do acesso à escola dos beneficiários do BPC, focando nas famílias mais vulneráveis para reverter os índices críticos de evasão.
A nova política é recebida como um avanço nas diretrizes legais, mas imediatamente expõe o gigantesco desafio de investimento público e planejamento necessário para se traduzir em equidade real. O decreto surge como uma resposta direta à persistente segregação no sistema de ensino, que falha em garantir o direito constitucional à educação para todos.
A dimensão da falha é expressa em números. Dados da Pnad Contínua de 2022, apontaram que apenas uma em cada quatro pessoas com deficiência conseguiu concluir a educação básica obrigatória no Brasil.
Esse índice, que expõe a exclusão de 75% desse público, é o motor da urgência que levou à nova legislação. A pesquisadora Maíra Bonna Lenzi, em análise ao portal Isaac, reforça que a defasagem idade-série é motivo de profunda preocupação e “requer uma análise cuidadosa para implementar soluções efetivas”.
O pilar da PNEE-Inclusiva, o ensino intersetorial, é o ponto de maior destaque e demanda investimento. Ao exigir o envolvimento ativo dos ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos, a política transforma a inclusão de um desafio meramente pedagógico em uma responsabilidade coordenada de governo.
A atuação conjunta é vital, uma vez que o progresso educacional de um aluno com deficiência está intrinsecamente ligado ao seu acompanhamento clínico e ao suporte socioeconômico de sua família.
O psicopedagogo mestre em educação especial, Pedro Lucas Costa, em análise publicada pela Agência CEUB, sublinha que a escola inclusiva, para ser efetiva, precisa de “desafios operacionais complexos, que são os provocadores do desenvolvimento em parceria com uma situação social ideal”.
A maior evidência do foco na equidade é o direcionamento do monitoramento aos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Essa escolha garante que a intervenção pública não se disperse, mas sim chegue às famílias que se encontram na dupla vulnerabilidade: a socioeconômica e a de exclusão educacional.
Ao cruzar dados do MEC com os do Desenvolvimento Social, o governo busca tirar esses alunos da invisibilidade estatística e garantir que o investimento seja alocado onde a carência é mais aguda, honrando o compromisso de proteger os mais vulneráveis.
No entanto, a garantia da infraestrutura é o gargalo que exige o maior aporte de capital público imediato. O Censo Escolar de 2022 indicou que 27% das escolas brasileiras não são acessíveis para Pessoas com Deficiência (PCDs).
Em vista disso, a Professora Doutora Cristina Cinto Araujo Pedroso, especialista em Educação Especial, em entrevista ao Jornal da USP, alerta que “Educação inclusiva não se trata apenas de integrar alunos, mas de oferecer condições reais para que todos possam aprender e se desenvolver plenamente”.
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A falta de rampas, banheiros adequados e, sobretudo, as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) plenamente equipadas, transformam a lei em letra morta.
O avanço na legislação é amplamente apoiado pela sociedade, o que legitima o aumento do gasto público na área. Um levantamento do Datafolha de 2019, mostrou que 76% das pessoas acreditam que crianças com e sem deficiência aprendem melhor juntas. No entanto, a execução exige uma mudança de paradigma que vai além da boa vontade.
O teórico cubano Rafael Rodríguez, em um artigo sobre a Educação Inclusiva (2001), pondera que “Falar de Educação Inclusiva, sem pensar na realidade social de exclusão a que a maioria dos povos está condenada, é uma ingenuidade intelectual”.
Essa visão reforça que a nova política só será um sucesso se a esfera pública assumir o custo do desenvolvimento e não delegar a responsabilidade da adaptação do sistema para o aluno.
A nova PNEE-Inclusiva exige, em última instância, que o governo utilize o poder regulatório e o orçamento para transformar a estrutura física e pedagógica do país, garantindo que o direito à educação especial e inclusiva seja efetivo e integralmente bancado pelo Orçamento Público.
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