Noruega

Oslo — A Noruega construiu um modelo econômico que reduziu a desigualdade sem abrir mão do crescimento. Ao longo das últimas três décadas, o país transformou a renda do petróleo em política fiscal de longo prazo, ancorada por uma regra simples: apenas o retorno anual estimado do fundo soberano pode ser gasto pelo governo. A disciplina orçamentária, associada à confiança institucional e à transparência pública, converteu o excedente energético em um patrimônio coletivo que sustenta investimentos sociais e estabilidade macroeconômica.

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O efeito redistributivo é mensurável. Segundo a Statistics Norway (SSB), o índice de Gini norueguês caiu de cerca de 0,39 antes de impostos e transferências para 0,27 após a ação fiscal do Estado, uma das maiores reduções entre os países da OCDE.

A diferença não vem apenas da tributação progressiva, mas do modo como o Estado devolve à sociedade a riqueza arrecadada. O sistema prioriza educação, saúde e infraestrutura, reduzindo custos privados e ampliando oportunidades.

Criado em 1990, o Fundo Soberano do Petróleo — administrado pelo Norges Bank Investment Management — transformou-se no maior do mundo, com patrimônio que supera US$ 1,5 trilhão. O fundo não financia gastos correntes nem projetos políticos imediatos.

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O rendimento anual é transferido gradualmente ao orçamento, dentro do limite de 3%, garantindo previsibilidade e preservação intergeracional. Esse mecanismo protege o país de oscilações de preço do petróleo e evita o chamado “mal holandês”, quando a abundância de recursos naturais provoca distorções econômicas.

A confiança institucional é parte estrutural desse modelo. Relatórios da OCDE apontam a Noruega entre os países com maior índice de confiança nas instituições públicas, o que reduz a necessidade de controle excessivo e amplia a eficiência administrativa.

Esse nível de credibilidade também impacta o mercado: reduz custos de crédito, fortalece o investimento privado e sustenta o ambiente de negócios. A integridade pública aparece reforçada por indicadores internacionais — em 2024, a Noruega ficou entre os cinco países menos corruptos segundo a Transparency International.

O equilíbrio entre gasto e prudência fiscal é sustentado por planejamento de longo prazo. O Estado financia programas sociais amplos, mas evita déficits estruturais.

A política tributária é estável, as despesas seguem metas de eficiência e a administração pública opera com alto grau de transparência. Na prática, a Noruega prova que um Estado forte pode ser também um Estado eficiente.

A coesão social é outro pilar. O investimento em capital humano é contínuo, e a igualdade de acesso a serviços públicos reduz barreiras estruturais à mobilidade social. O sistema educacional, gratuito e descentralizado, forma mão de obra qualificada e inovadora.

O mesmo vale para o sistema de saúde, que combina cobertura universal com gestão regionalizada, garantindo eficiência local e equidade nacional.

Entretanto, a política econômica norueguesa não está isenta de tensões. O envelhecimento populacional pressiona o orçamento previdenciário, e o debate sobre diversificação produtiva ganha força à medida que a economia global se descarboniza.

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Ainda assim, o país preserva margem fiscal e legitimidade política para ajustar o modelo sem rupturas. A confiança pública, mantida por décadas, é o ativo que sustenta o consenso social em torno da redistribuição.

Em tempos de crise de credibilidade fiscal em diversas democracias, a experiência norueguesa oferece um contraponto. O país demonstra que a eficiência estatal não depende de austeridade, mas de planejamento, transparência e continuidade.

O equilíbrio entre Estado e mercado não nasce da redução do papel público, e sim da clareza com que ele é exercido. Na Noruega, o gasto social é uma engrenagem da economia — e a confiança, o recurso mais valioso de todos.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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