Chile
Crédito: RS/Fotos Públicas

A eleição de José Antonio Kast à Presidência do Chile, confirmada neste domingo (14), simboliza um retrocesso político no país e consolida o retorno da extrema-direita ao comando do Palácio de La Moneda, em uma versão marcada por discurso punitivista, agenda anti-imigração e aproximação ideológica com lideranças da nova direita internacional, como Donald Trump e Javier Milei.

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Com 99% das urnas apuradas, Kast, candidato do Partido Republicano, obteve 58,1% dos votos válidos, contra 41,8% da governista Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do governo de Gabriel Boric e candidata apoiada pelo Partido Comunista. A eleição teve participação de 85% da população, impulsionada pelo retorno do voto obrigatório no país.

Ex-deputado e advogado ultraconservador, Kast assume como o presidente mais à direita do Chile desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973–1990).

Aos 59 anos, ele disputava a Presidência pela terceira vez e construiu sua vitória a partir de uma campanha centrada na segurança pública, no endurecimento penal e no combate à imigração irregular, especialmente na fronteira norte, com foco em migrantes venezuelanos.

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Embora o Chile registre índices de homicídio inferiores aos de outros países da região, a sensação de insegurança foi explorada como eixo central da campanha.

Kast prometeu medidas duras contra o crime organizado, defendeu restrições a serviços públicos para imigrantes em situação irregular e chegou a falar em expulsões em massa, discurso posteriormente suavizado durante o segundo turno.

A vitória do ultradireitista encerra um ciclo político iniciado com as mobilizações populares de 2019, que colocaram em xeque o modelo neoliberal herdado da ditadura e abriram caminho para a eleição de Gabriel Boric, em 2021.

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Jeanette Jara em entrevista

O período foi marcado por tentativas frustradas de elaborar uma nova Constituição, rejeitadas em plebiscitos sucessivos, e por desgaste do governo diante de dificuldades econômicas, insegurança e fragmentação política.

Diferentemente de campanhas anteriores, Kast adotou uma estratégia de moderação discursiva. Evitou declarações explícitas sobre a ditadura de Pinochet, direitos humanos, aborto e casamento igualitário, temas que historicamente o aproximaram do autoritarismo. 

Ainda assim, sua base política inclui setores que relativizam os crimes do regime militar, como evidenciado por apoiadores que exibiram imagens de Pinochet durante a campanha.

No plano internacional, Kast fez acenos a líderes da direita radical. Recebeu felicitações públicas do presidente da Argentina, Javier Milei, que celebrou a vitória como um avanço regional “em defesa da liberdade e da propriedade privada”.

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O chileno também foi associado ao trumpismo, embora tenha afirmado, em debates, que não pretende replicar políticas de perseguição sistemática a imigrantes.

Jeannette Jara reconheceu a derrota e parabenizou o adversário, destacando o compromisso com a democracia. Gabriel Boric também cumprimentou Kast e afirmou que colaborará com a transição, convidando o presidente eleito para uma reunião oficial.

A postura institucional contrasta com o discurso agressivo que marcou parte da campanha da direita e reforça o esforço do atual governo em preservar a estabilidade democrática.

O novo governo encontrará um Congresso fragmentado. A direita e a ultradireita ficaram próximas de maioria na Câmara dos Deputados, mas não a alcançaram, enquanto o Senado permanece equilibrado entre forças conservadoras e progressistas.

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O cenário indica um governo com espaço para impor agendas pontuais, especialmente na área de segurança, mas com dificuldades para reformas estruturais sem negociação.

A eleição de Kast se insere em um contexto mais amplo de avanço da extrema-direita na América do Sul, impulsionado por crises econômicas, frustração social e desgaste de governos progressistas.

No caso chileno, o resultado revela não apenas uma mudança de governo, mas um deslocamento do debate público para pautas autoritárias e punitivistas, recolocando em disputa o legado democrático construído após o fim da ditadura.

O Chile inicia, a partir de março, um novo capítulo político sob o comando de um presidente que representa a ruptura com o ciclo progressista recente e o retorno de uma direita ideológica organizada.

O impacto dessa virada, tanto interna quanto regionalmente, dependerá da capacidade das forças democráticas e sociais de resistir à erosão de direitos e de manter vivo o projeto de transformação social que emergiu das ruas há seis anos.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e editor-chefe da IA Dinheiro. Produz reportagens e conteúdos com foco em economia, democracia, desigualdade e políticas públicas.

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