Kast

A vitória de José Antonio Kast na eleição presidencial chilena, com cerca de 58% dos votos, baseou-se fortemente em um discurso de medo sobre criminalidade e imigração irregular, mesmo em um país que historicamente figura entre os mais seguros da América Latina e registra índices comparativamente baixos de homicídios. A campanha explorou uma percepção de insegurança e frustração social para impulsionar a extrema-direita ao poder, em um contexto de polarização política crescente.

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Kast fez da segurança pública e do controle migratório os eixos centrais de sua plataforma eleitoral. Ele prometeu medidas duras, como reforço das fronteiras, deportações de imigrantes em situação irregular, emprego das Forças Armadas em áreas de alta criminalidade e construção de prisões de máxima segurança, afinando seu discurso com o medo de eleitores preocupados com a escalada de crimes organizados.

As preocupações com crime e imigração superaram outros temas tradicionais como economia, saúde e educação nas pesquisas de intenção de voto.

Estudo de opinião divulgado antes do segundo turno mostrou que 63% dos chilenos se declaravam muito preocupados com a criminalidade e violência, um percentual superior ao de países com taxas de homicídio mais altas, como México e Colômbia.

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Esse paradoxo — medo acentuado em um país com violência relativamente baixa — está no centro da vitória de Kast. O Chile, embora considerado um dos mais seguros da região, viu a taxa de homicídios subir nos últimos anos de valores muito baixos para cerca de 6 por 100 mil habitantes em 2023, ainda distante de índices de países vizinhos, mas suficiente para alimentar a sensação de deterioração da ordem pública entre parte da população.

A campanha de Kast capitalizou esse clima emocional e transformou a percepção de insegurança em vantagem eleitoral.

Em sociedades com alto nível de confiança no Estado e expectativas de estabilidade, como era tradicionalmente o Chile, qualquer relato de desordem — real ou percebido — pode ser ampliado em debate político, sobretudo quando outros temas econômicos e sociais não conseguem mobilizar sentimentos tão imediatos e viscerais.

Taxa de homicídios

A associação entre criminalidade e imigração também foi explorada de forma conjugada. Apesar de não haver ligação estatística direta entre fluxos migratórios e aumento dos homicídios no Chile, a narrativa de Kast relacionou a presença de imigrantes irregulares ao crescimento de crimes organizados, reforçando o medo urbano e a sensação de “perda de controle”.

Essa retórica ressoa em segmentos da população que percebem a migração como competição por recursos escassos e como fator de insegurança, mesmo em contextos nos quais a criminalidade violenta ainda permanece baixa em termos absolutos.

O fenômeno chileno reflete uma tendência observada em outras democracias: a politização do medo como ferramenta eleitoral, em que o sentimento de insegurança se sobrepõe a análises de dados e estatísticas objetivas.

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Isso ocorre quando cidadãos experimentam ou percebem mudanças rápidas em suas comunidades, associando problemas sociais complexos, como desigualdade, alienação econômica ou mudanças demográficas, a um suposto colapso da ordem pública.

A estratégia de Kast também foi favorecida pela polarização política após anos de instabilidade e frustrações com reformas ambiciosas que não trouxeram resultados tangíveis para amplos setores da população.

Em eleições em que a esquerda não conseguiu consolidar uma narrativa unificadora de progresso social, o discurso de ordem, controle e restauração do “modo de vida anterior” mostrou-se extremamente eficaz para atrair eleitores que desejam respostas simples para problemas diversos.

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Em resumo, a vitória de Kast não se explica apenas pelos números atuais de homicídio no Chile, mas pela forma como o medo foi construído e amplificado no debate público.

Sua campanha acabou transformando uma preocupação social em um fator decisivo para uma guinada conservadora do eleitorado, convertendo uma sensação de insegurança — real ou percebida — em uma plataforma política que agora terá a tarefa de governar sobre as expectativas que ajudou a criar. 

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e editor-chefe da IA Dinheiro. Produz reportagens e conteúdos com foco em economia, democracia, desigualdade e políticas públicas.

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