Inflação
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Brasília (DF) — A inflação de outubro, de apenas 0,09%, a menor variação para o mês em 27 anos, reacendeu o debate sobre a coerência da taxa básica de juros. Enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula 3,73% no ano e 4,68% em 12 meses, o Banco Central mantém a Selic em 15%, uma das mais altas do mundo. O contraste entre preços estabilizados e crédito sufocado voltou a colocar em pauta o custo da política monetária sobre o crescimento e o investimento produtivo.

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Segundo o IBGE, a desaceleração da inflação foi puxada pela queda de 2,39% na energia elétrica, após mudança na bandeira tarifária, e pela estabilidade dos alimentos, cujo grupo variou apenas 0,01%.

É o retrato de um cenário de preços ancorados, demanda moderada e políticas fiscais sob controle. Ainda assim, o Comitê de Política Monetária (Copom) insiste em manter a Selic em patamar de aperto, justificando-se pela “persistência de expectativas inflacionárias” e “volatilidade do ambiente internacional”.

A divergência entre indicadores e discurso monetário tem se ampliado. O núcleo de inflação — que desconsidera itens voláteis — segue dentro da meta e a inflação de serviços mostra perda de fôlego. Mesmo assim, o juro real ex-ante, descontada a inflação esperada, continua acima de 10%, o maior entre as grandes economias. A efeito de comparação, países com índices de preços semelhantes, como México (4,3%) e Chile (4,6%), operam com juros nominais próximos a 9%.

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Para o setor produtivo, a defasagem entre a realidade econômica e a política monetária já compromete a retomada do investimento. Com a inflação convergindo para o centro da meta, manter a Selic em 15% significa impor um custo excessivo à economia real — elevando o custo do crédito, travando novos projetos e reduzindo a competitividade industrial. Na prática, o juro alto tem funcionado mais como âncora de incerteza do que como instrumento de estabilidade.

A política de juros elevados, argumenta o governo, cumpre papel cada vez mais restrito em um contexto de inflação de custos — derivada de energia e alimentos — e não de demanda. O comportamento dos preços de outubro confirma essa tese: os principais vetores de alta vieram de tarifas e combustíveis, não de consumo.

Mesmo com o emprego formal em alta e a massa salarial em recuperação, o consumo das famílias segue contido pelo crédito caro e pela renegociação de dívidas, fatores que neutralizam qualquer risco de superaquecimento.

O dado de outubro também alimenta o debate sobre o mandato dual do Banco Central. Desde a autonomia formal da instituição, em 2021, a autoridade monetária tem priorizado a meta de inflação mesmo diante de sinais de desaquecimento da economia.

Inflação
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O PIB de 2025 deve crescer próximo a 2%, segundo projeções do Focus, e o crédito bancário às empresas caiu 1,8% no trimestre. Dessa forma, a defasagem entre decisão e realidade aumenta a ineficiência da atuação do BC, com efeitos diretos sobre emprego e renda.

Em termos fiscais, o quadro também é mais favorável que o projetado no início do ano. A arrecadação federal cresceu acima do PIB, e o déficit primário tende a ser menor que o previsto. Com a inflação baixa e as contas públicas sob controle, o argumento de “desancoragem das expectativas” perde força.

No mercado, já há quem defenda que o Copom acelere o ciclo de cortes em dezembro para evitar um novo travamento do crédito no primeiro trimestre de 2026.

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Em outros termos, o cenário de inflação controlada e juros elevados reflete um descompasso entre política monetária e realidade social. Enquanto a estabilidade dos preços beneficia o consumidor, o juro real excessivo inibe o investimento, a geração de empregos e a produtividade.

O Brasil parece preso a um modelo de contenção permanente, em que a confiança se mede pelo custo do dinheiro, não pela vitalidade da economia.

Com a inflação no menor nível em quase três décadas, o debate deixa de ser técnico e se torna político: até quando o país manterá uma taxa de juros que contraria seus próprios fundamentos? Em tempos de estabilidade, a coerência econômica passa a ser o novo termômetro de credibilidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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