Marcha das mulheres negras
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Brasília (DF) — A capital federal recebe nesta terça-feira (25) a Marcha Nacional das Mulheres Negras, que retorna às ruas após uma década de sua primeira edição e reúne delegações de todo o país sob o lema Reparação e Bem Viver. O encontro, planejado por redes e coletivos ao longo de meses, retoma a agenda histórica contra racismo, sexismo e desigualdades sociais que seguem estruturando a vida das mulheres negras brasileiras.

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A primeira marcha, realizada em 2015, levou cerca de 50 mil mulheres à Esplanada dos Ministérios. Aquele ato marcou o início de uma mobilização pública nacional que se consolidou como um dos movimentos mais potentes do país na defesa dos direitos das mulheres negras. Agora, dez anos depois, as organizadoras reafirmam que as razões que levaram tantas mulheres às ruas permanecem vivas — e, em muitos aspectos, ainda mais urgentes.

Dados do Ministério da Igualdade Racial mostram que as mulheres negras são o maior grupo populacional do Brasil, somando mais de 60 milhões de pessoas. Mas essa representatividade não se converteu em proteção contra desigualdades persistentes.

Em 2022, a taxa de analfabetismo entre mulheres negras era de 6,9%, o dobro da registrada entre mulheres brancas. Indicadores de violência, renda, saúde e acesso à educação reforçam a permanência de um padrão estrutural que as empurra sistematicamente para posições de maior vulnerabilidade.

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A marcha também incorpora demandas ampliadas, que conectam a agenda racial à defesa do meio ambiente, à preservação de povos tradicionais, ao combate à violência de gênero e à reivindicação de um modelo econômico que respeite vidas e territórios.

Para as organizadoras, Reparação e Bem Viver não são apenas temas simbólicos, mas um caminho político que rompe com o histórico de negligência estatal e projeta um futuro baseado na dignidade e na coletividade.

Entre as anfitriãs da mobilização, a Casa Akotirene Quilombo Urbano, em Ceilândia Norte, tem sido um dos espaços mais ativos na organização local.

Criada há sete anos, a casa atende cerca de 250 mulheres, além de crianças e adolescentes que participam de cursos e atividades culturais. Para a presidenta da instituição, Joice Marques, marchar junto às mulheres da Casa e aos grupos que chegam de outros estados representa um momento de afirmação política e de continuidade histórica.

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Coordenadora do Comitê Nacional LBTI da Marcha de Mulheres Negras, Amanda Santos (psicóloga). Foto Valter Campanato/Agência Brasil.

Joice lembra que muitas das mulheres atendidas não estão presentes em círculos acadêmicos ou espaços formais de debate, mas desempenham papel central na construção cotidiana de políticas de enfrentamento ao racismo e à violência em seus territórios.

Para ela, reconhecer essa atuação é essencial para ampliar o alcance e o impacto do movimento: são essas mulheres, afirma, que sustentam redes de solidariedade que, há décadas, garantem sobrevivência e resistência nas periferias do país.

Os cursos e oficinas oferecidos na Casa — de informática a tranças, de música a práticas corporais — fortalecem o vínculo com a comunidade e ajudam mulheres a reconhecerem o próprio pertencimento racial. Joice destaca que a experiência de ser mulher negra muda conforme se atravessa os espaços:

“Dentro de casa, somos apenas mulheres; na rua, carregamos o peso de uma sociedade que insiste em nos subalternizar”, afirma.

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Essa transição cotidiana, marcada por racismo geográfico, econômico e institucional, evidencia como a estrutura social molda desigualdades que não são acidentais, mas produzidas e reproduzidas ao longo de gerações.

A gestora da Casa Akotirene vê na marcha um ponto de encontro entre passado, presente e futuro. Para ela, participar do ato é honrar o legado de mulheres ancestrais que abriram caminhos em meio à exclusão e reafirmar o compromisso com a luta por direitos que ainda não se realizaram plenamente.

O estandarte coletivo levado pelas mulheres da Casa simboliza esses anseios: bordado a muitas mãos, ele representa tanto a memória de quem veio antes quanto os sonhos de quem segue construindo novas possibilidades.

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Às vésperas do ato, Brasília se prepara para receber milhares de mulheres negras que chegarão de diferentes regiões. Mais que um evento, a marcha funciona como um diagnóstico vivo das desigualdades brasileiras — e, ao mesmo tempo, como um projeto político que aponta para a necessidade de transformação estrutural.

Em um país onde ser mulher negra significa enfrentar diariamente múltiplas camadas de exclusão, ocupar as ruas é também exigir que o Estado assuma um compromisso real com reparação, justiça e bem viver.

Redação IA Dinheiro

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A Redação IA Dinheiro produz reportagens e conteúdos com foco em democracia, desigualdade e políticas públicas.

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