Beirute (Líbano) — Israel realizou neste domingo (23) um ataque aéreo contra o subúrbio de Haret Hreik, em Beirute, alegando ter como alvo Ali Tabatabai, chefe interino do Estado-Maior do Hezbollah. A ofensiva, que deixou cinco mortos e 28 feridos, segundo autoridades libanesas, ocorreu a poucos dias do primeiro aniversário do acordo de cessar-fogo firmado em novembro de 2024, reacendendo dúvidas sobre a disposição israelense de conter a escalada no fronte norte.
Os militares israelenses classificaram o bombardeio como um “ataque preciso”, afirmando que Tabatabai seria uma figura-chave no fortalecimento militar do Hezbollah. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou que se tratou de uma ação “no coração de Beirute”, reforçando o argumento de que Israel age preventivamente contra o que considera ameaças existenciais.
A imprensa local relatou que não houve ordens de evacuação antes da explosão, que atingiu área residencial densamente povoada. Segundo a Agência Nacional de Notícias do Líbano, o ataque provocou danos severos em edifícios e reforçou a percepção interna de que a trégua se tornou unilateral — respeitada por Beirute, mas não por Tel Aviv.
O presidente libanês, Joseph Aoun, afirmou que a ação representa “mais uma prova” de que Israel ignora apelos internacionais por contenção. Ele destacou que o país vem respeitando há quase um ano a cessação das hostilidades e insiste para que a comunidade internacional atue de forma mais firme diante do que classificou como violações recorrentes cometidas por Israel.
Nas últimas semanas, autoridades libanesas multiplicaram alertas de que ataques repetidos colocam em risco a estabilidade da fronteira e abrem espaço para um novo ciclo de retaliações. Aoun reiterou que a preservação da trégua exige compromisso mútuo, mencionando o risco de deterioração rápida caso as investidas israelenses continuem.
O governo israelense, por sua vez, sustenta que continuará atacando alvos que considere ligados ao Hezbollah. O ministro da Defesa, Israel Katz, reforçou que Israel “agirá com firmeza para evitar qualquer ameaça”, numa declaração que ecoa a estratégia de pressão constante adotada desde 2024. Essa postura, embora previsível do ponto de vista militar, reforça o descompasso entre os esforços regionais por estabilização e a tática israelense de respostas unilaterais.
O bombardeio também evidencia a assimetria entre o compromisso diplomático formalizado no cessar-fogo e sua aplicação prática. Enquanto o Líbano tenta sustentar canais diplomáticos abertos e sinaliza disposição para soluções negociadas, Israel mantém a estratégia de atingir lideranças do Hezbollah com operações cirúrgicas, ainda que em áreas civis.
Essa diferença de abordagem contribui para uma dinâmica instável, em que ações militares pontuais têm potencial para reacender confrontos mais amplos.

O ataque repercute como mais um obstáculo para iniciativas internacionais voltadas à redução da violência. Organizações multilaterais e governos árabes têm expressado preocupação com o padrão de intervenções israelenses, que, além de alimentarem tensões internas no Líbano, ampliam o risco de um conflito de maiores proporções no Oriente Médio. A ausência de medidas preventivas em áreas residenciais e o custo humano imediato reforçam esse temor.
A ofensiva deste domingo também se insere em uma sequência de episódios nos quais Israel, sob justificativa de autodefesa, atua de forma desvinculada das expectativas criadas no pós-cessar-fogo.
Nas narrativas oficiais israelenses, tais ataques surgem como inevitáveis; já na perspectiva libanesa, representam violações que fragilizam a própria lógica dos acordos internacionais. Entre essas leituras, a população civil da região continua arcando com o peso direto de uma disputa assimétrica.
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Com o cessar-fogo prestes a completar um ano, o episódio reforça que a trégua deixou há muito de funcionar como instrumento de proteção civil. O acordo, concebido para oferecer respiro humanitário e criar condições mínimas de negociação, vem sendo desmontado peça por peça pelas ações unilaterais de Israel, que opera livremente sobre território libanês sem prestar contas à comunidade internacional — e menos ainda às populações afetadas.
Para o Líbano, preservar a estabilidade tornou-se um exercício quase impossível diante da assimetria militar e da disposição israelense de impor sua força mesmo sob o marco formal de um cessar-fogo.
Israel, por sua vez, segue enquadrando sucessivas ofensivas como atos de autoproteção, embora elas ocorram bem além de suas fronteiras e atinjam majoritariamente áreas civis. Ao flexibilizar a trégua sempre que lhe convém, Tel Aviv esvazia seu sentido, fragiliza mecanismos diplomáticos e transforma o cessar-fogo em um documento sem peso prático.
Essa disparidade — entre um país que tenta sustentar a trégua e outro que, com superioridade armada, a atravessa como se fosse mera sugestão — não apenas aprofunda a instabilidade regional, mas revela o quanto a balança do conflito é guiada pela força e pela impunidade.
Se nada mudar, o “acordo” continuará existindo apenas no papel, enquanto a realidade no terreno é ditada por bombardeios que reduzem qualquer perspectiva de paz a retórica vazia.











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