A crítica foi imediata: ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil é irresponsabilidade fiscal, um gesto populista que compromete a arrecadação. Mas essa leitura, repetida como mantra por parte do mercado, ignora o ponto central. O Brasil não está abrindo mão de receita por capricho — está corrigindo uma injustiça estrutural.
Nosso sistema tributário é notoriamente regressivo, onde quem ganha menos paga proporcionalmente mais, sufocado por impostos indiretos embutidos em cada produto essencial do dia a dia.
Do arroz ao sabonete, do gás de cozinha à conta de luz, a carga pesa mais sobre o trabalhador de renda média e baixa do que sobre a elite econômica.
Para entender isso basta uma conta rápida: considere 18% de ICMS em cada produto. Uma família que ganha R$ 2 mil e gasta tudo, paga 18% do seu ganho em imposto.
Agora imagine uma pessoa que ganhe R$ 100 mil, guarde R$ 50 mil e gaste o restante. Essa pessoa pagou 9% do seu ganho em imposto. Ou seja, proporcionalmente, contribuiu com metade da carga de quem tem renda mais baixa.
O restante do valor foi colocado em ações e investimentos, cujos lucros e dividendos seguem blindados. Ou seja, grandes patrimônios permanecem em boa parte fora do alcance do fisco.
Nesse contexto, ampliar a isenção é, portanto, um passo civilizatório. Significa afirmar que o Estado não pode se sustentar esmagando justamente quem mais precisa de proteção.
Não é populismo: é justiça fiscal. É realocar o peso da arrecadação, ainda que timidamente, para corrigir um desequilíbrio histórico que perpetua desigualdade.
É inegável que há impacto orçamentário, mas esse é justamente o debate que precisamos enfrentar. A cada vez que se fala em ampliar a isenção, repete-se o alerta sobre perda de receita.
O que raramente se discute é por que essa perda não pode ser compensada com taxação de grandes fortunas, revisão de subsídios regressivos ou combate à sonegação bilionária. É nesse ponto que o Estado precisa agir para equilibrar suas contas.
Dessa forma, a pergunta que deveríamos fazer é: por que sempre sobra para o assalariado e nunca para os muito ricos?
Portanto, a decisão do Congresso, ainda que tímida, é um primeiro gesto de reequilíbrio fiscal e social. Isentar quem ganha até R$ 5 mil não resolverá todas as distorções, mas retira do alvo fiscal milhões de brasileiros que nunca deveriam ter estado lá.
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O caminho ainda é longo, precisamos de um sistema tributário que desonere o consumo, aumente o imposto sobre lucros e dividendos e melhore a alíquota progressiva do IR para que rendas mais elevadas não sejam beneficiadas.
Dito isso, em vez de classificar a medida, que a meu ver foi um avanço social, como “gasto”, deveríamos reconhecê-la pelo que é: reparação.
No fundo, o debate sobre a isenção do IR revela a disputa de projeto de país. Se queremos uma sociedade menos desigual, o sistema tributário precisa parar de ser um motor de injustiça. Defender a isenção não é defender irresponsabilidade — é defender dignidade.