O governo se prepara para sancionar, em outubro, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para trabalhadores com rendimento de até R$ 5 mil. A medida, que também prevê desconto parcial para rendas até R$ 7,35 mil, tem implementação prevista para 2026 e promete corrigir parte da defasagem acumulada ao longo de décadas. Ao mesmo tempo, traz para o centro do debate as tensões entre justiça tributária, custo fiscal e possíveis efeitos sobre juros e inflação.
Alívio no bolso: justiça social e efeito redistributivo
A tabela do IR é um dos pontos mais sensíveis do sistema tributário brasileiro. Com reajustes insuficientes ao longo dos anos, trabalhadores de renda média e baixa foram empurrados progressivamente para dentro da base tributável, enquanto os mais ricos mantêm acesso a instrumentos de planejamento fiscal.
Ao elevar o limite de isenção, o governo devolve renda líquida justamente para a parcela mais pressionada pela inflação recente e pela estagnação dos salários reais. Esse alívio, ainda que parcial, tem efeito imediato sobre a sensação de justiça social.
Para famílias cujo rendimento mensal gira em torno de R$ 3,5 mil a R$ 5 mil, a retirada da obrigação de recolher imposto representa espaço para consumo, pagamento de dívidas ou poupança. No entanto, a medida favorece grupos com alta propensão a gastar, o que pode gerar estímulo relevante à atividade econômica no curto prazo.
O custo fiscal e o dilema do arcabouço
A contrapartida aparece nas contas públicas, uma vez que a ampliação da faixa de isenção poderá reduzir a arrecadação, caso não tenha uma contrapartida sólida.
Em outros termos, esse valor precisa ser compensado para que o governo mantenha a credibilidade do novo arcabouço fiscal, que estabelece limites para o crescimento das despesas e metas de resultado primário.
O desafio é encontrar espaço no Orçamento para bancar a renúncia tributária. Entre as opções em discussão estão o combate a renúncias ineficientes, revisão de gastos obrigatórios e eventuais aumentos pontuais de receitas.
Nenhuma dessas soluções é trivial: cortar despesas enfrenta resistências políticas, enquanto elevar impostos em outros pontos contraria o discurso de alívio tributário. O risco, se não houver contrapartida clara, é aumentar a percepção de desequilíbrio estrutural das contas públicas, o que tende a encarecer o custo da dívida.
Política monetária sob pressão: renda extra pode pesar na Selic
Para além do impacto fiscal, a ampliação da isenção do IR dialoga com a política monetária. A renda extra nas mãos dos contribuintes tende a aquecer o consumo em setores de bens e serviços, especialmente em regiões metropolitanas.
Se esse movimento coincidir com um cenário de inflação em desaceleração, mas ainda acima da meta, o Banco Central pode ver no alívio tributário um fator de pressão inflacionária.
Nesse caso, a consequência seria a reprecificação da trajetória da Selic. Ou seja, o BC poderia alongar o ciclo de cortes ou manter juros reais mais elevados por mais tempo, na tentativa de compensar o estímulo à demanda.
Para o mercado, a leitura sobre a coordenação entre Fazenda e Banco Central será determinante: se as compensações fiscais forem críveis, o impacto inflacionário se dilui; se parecer uma medida expansionista sem lastro, o risco é travar a política monetária.
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Gastos públicos, prioridades e escolhas políticas
O debate sobre a tabela do IR também toca em uma questão mais ampla: a alocação de recursos do Estado. Ao abrir mão de receita para beneficiar assalariados de até R$ 5 mil, o governo precisa decidir se compensa com cortes em outras áreas ou se aposta em aumento de eficiência arrecadatória.
Essa escolha revela prioridades políticas. Por um lado, há coerência em reduzir a carga sobre a base trabalhadora, em linha com o discurso de justiça social. Por outro, a pressão sobre as contas públicas pode comprometer investimentos em infraestrutura, saúde ou educação, caso a compensação não seja robusta.
O dilema é clássico: distribuir mais renda via renúncia tributária ou preservar a capacidade do Estado de financiar políticas públicas universais.
Um equilíbrio ainda em aberto
Nesse contexto, a ampliação da isenção do IR é, ao mesmo tempo, bandeira social, medida de estímulo e desafio fiscal.
Ela corrige uma distorção histórica e fortalece a narrativa de justiça distributiva, mas amplia a necessidade de contrapartidas claras para evitar erosão da credibilidade do arcabouço.
No curto prazo, o mercado observará três pontos: o texto final da sanção, o cálculo oficial do impacto fiscal e a reação do Banco Central.
No médio prazo, o que estará em jogo é a capacidade de equilibrar justiça social com responsabilidade fiscal — sem perder de vista que, em economia, toda renúncia tem um preço que precisa ser pago de alguma forma.