inflação
Criador: Maira Erlich | Crédito: Bloomberg

A desaceleração recente do IPCA reabriu o debate sobre o momento de iniciar cortes de juros no Brasil. O Banco Central tem sinalizado que a queda do índice cheio, puxada sobretudo por bens e itens voláteis, não é suficiente para alterar a política monetária por ora. A autoridade vê um quadro em que componentes inerciais — especialmente serviços — arrefecem de forma mais lenta, ao mesmo tempo em que permanecem dúvidas sobre o ritmo da atividade, a trajetória fiscal e o ambiente internacional.

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O ponto central está na composição da inflação. Parte relevante do alívio veio de bens industriais e combustíveis, segmentos que reagem mais rapidamente ao câmbio e à normalização de cadeias de suprimento.

Já os serviços, influenciados por renda, emprego e contratos, exibem desinflação mais gradual. Na prática, o índice cheio melhora, mas o núcleo mais sensível ao aquecimento doméstico ainda demanda cautela.

É essa assimetria que sustenta a leitura do Copom de que cortar a Selic cedo demais pode desancorar expectativas e atrasar a convergência à meta.

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A leitura das expectativas reforça essa prudência. As projeções para a inflação à frente recuaram nas últimas semanas, mas seguem acima do centro da meta. Enquanto isso, medidas de núcleo e difusão apontam progresso, porém incompleto.

O Banco Central insiste que a política monetária age com defasagens e que a confirmação de uma tendência sustentável — e não apenas um movimento pontual — é condição para discutir uma redução da Selic. Em outras palavras, a queda do índice cheio é necessária, mas ainda não é suficiente.

O quadro fiscal é outro vetor de incerteza. A discussão sobre a execução das metas e sobre a dinâmica de receitas e despesas influencia diretamente as expectativas de inflação e de juros.

Se o mercado precifica dúvidas sobre o ajuste, o custo de capital sobe e a política monetária precisa compensar parte desse risco para preservar a credibilidade do regime de metas. Nesse ambiente, a manutenção da Selic no patamar atual funciona como uma âncora, enquanto não houver sinais mais firmes de convergência fiscal.

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Criador: Arthur Menescal | Crédito: Bloomberg

O cenário externo completa a equação. A reedição de tensões comerciais entre grandes economias, a volatilidade do petróleo e as dúvidas sobre o crescimento mundial aumentam a sensibilidade de ativos brasileiros ao dólar e a mudanças de humor nos mercados globais. 

Uma redução prematura dos juros elevaria a vulnerabilidade do câmbio, repassando pressão a preços monitorados e importados e, por consequência, dificultando o processo de desinflação doméstica. A decisão de manter a taxa, portanto, tem também um componente de seguro cambial.

No crédito, os sinais de aperto são visíveis: custo elevado, prazos mais curtos e seletividade maior em novos empréstimos. Isso pesa sobre consumo e investimento, mas é parte do mecanismo de transmissão da política monetária.

A estratégia do BC é calibrar a desaceleração da demanda para consolidar a queda dos preços sem provocar um freio brusco da atividade. Cortes antecipados, num contexto de serviços ainda resilientes, tenderiam a reaquecer segmentos sensíveis e reverter ganhos recentes.

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Há, ainda, a questão das expectativas privadas. Mesmo com a melhora do índice cheio, projeções para horizontes mais longos permanecem acima do alvo.

O Copom monitora esses indicadores porque eles influenciam decisões de preços e salários. A leitura é simples: enquanto a confiança na convergência à meta não estiver bem ancorada, a postura conservadora reduz o risco de uma reprecificação que obrigue, mais adiante, um aperto mais custoso.

O balanço de riscos, portanto, segue assimétrico. De um lado, a inflação cheia em queda e sinais preliminares de arrefecimento em núcleos; de outro, serviços ainda relativamente pressionados, incerteza fiscal e um mundo mais volátil.

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Nesse cenário, a manutenção da Selic em 15% não nega a queda da inflação — apenas reconhece que a parte mais inercial do índice cede mais devagar e que choques remanescentes podem interromper a trajetória de convergência.

A discussão sobre o momento de iniciar cortes não é se, mas quando e em qual ritmo. Se os próximos dados confirmarem a desaceleração disseminada e as expectativas se aproximarem de forma consistente da meta, a autoridade monetária poderá avaliar um ciclo gradual.

Até lá, a mensagem é de continuidade: a queda do índice cheio é bem-vinda, mas a política monetária só muda quando o conjunto — composição, expectativas e riscos — permitir uma transição segura.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e política internacional, dedicado a interpretar como o poder e os mercados influenciam o Brasil e o mundo.

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