O Brasil atravessa um momento em que os principais indicadores econômicos apontam para um cenário aparentemente equilibrado. A inflação mostra sinais de estabilidade, mesmo com a economia em pleno emprego e a renda formal em crescimento.
Esse quadro contrasta com décadas marcadas pela convivência entre preços pressionados e alto desemprego. No entanto, por trás da aparente normalidade, persistem tensões estruturais: a manutenção da taxa Selic em patamar elevado, o risco fiscal e as limitações de produtividade que ainda rondam o país.
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Pleno emprego com inflação controlada: combinação rara
O mercado de trabalho brasileiro vive um dos melhores momentos de sua história recente. De acordo com dados do IBGE, a taxa de desemprego no segundo semestre de 2025 caiu para 5,6%, percentual considerado tecnicamente como pleno emprego.
Além disso, houve queda expressiva da informalidade com geração de mais postos de trabalhos formais nos últimos anos. Esse avanço reflete tanto o dinamismo de alguns setores — como serviços e agroindústria — quanto um ciclo mais amplo de expansão do crédito e do consumo.
A novidade, no entanto, é que esse movimento não tem se traduzido em pressões inflacionárias intensas, como seria esperado em contextos clássicos de pleno emprego.
Normalmente, quando a economia se aproxima de sua capacidade máxima de utilização da mão de obra, os salários sobem em ritmo acelerado, pressionando os custos das empresas e alimentando a inflação. No Brasil de hoje, essa relação parece mais contida.
O aumento da formalização melhora a renda e o consumo, mas ocorre em um ambiente de políticas monetária e fiscal que ainda impõem freios à demanda agregada.
Selic elevada como trava para a economia
Um dos fatores centrais para essa relativa estabilidade é a manutenção da Selic em 15% ao ano. Embora o nível seja considerado restritivo, ele tem funcionado como barreira contra uma aceleração de preços em meio ao mercado de trabalho aquecido.
A taxa de juros alta limita o avanço do crédito, reduz a margem de expansão do consumo e sinaliza ao mercado que a política monetária permanece comprometida com o controle inflacionário.
Por outro lado, os efeitos colaterais são evidentes. Setores como construção civil e indústria de transformação, fortemente dependentes de financiamento, sentem o peso da Selic na dificuldade de investir e gerar novos empregos.
No médio prazo, o risco é que a política monetária excessivamente apertada acabe desacelerando a economia mais do que o necessário, elevando o desemprego e comprometendo os ganhos recentes da formalização. O dilema do Banco Central está em equilibrar o combate à inflação com a preservação do dinamismo do mercado de trabalho.
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O pano de fundo fiscal e suas implicações
Se a Selic se mantém tão elevada, parte da explicação está fora da esfera monetária e se encontra no campo fiscal. O risco percebido pelos investidores em relação às contas públicas obriga o Banco Central a manter juros mais altos para compensar a desconfiança sobre a trajetória da dívida.
Programas de gastos permanentes, dificuldade em aumentar a arrecadação de forma sustentável e a falta de consenso político sobre reformas estruturais alimentam essa percepção.
Esse círculo vicioso — fiscal frágil, juros altos e crescimento limitado — é um dos grandes entraves para a economia brasileira romper de vez com o ciclo de instabilidade.
Enquanto o governo não apresentar um plano convincente para equilibrar receitas e despesas, será difícil reduzir a Selic de forma consistente sem provocar fuga de capitais ou desvalorização cambial.
Assim, o pleno emprego atual convive com um horizonte de incerteza, em que a política fiscal pode tanto consolidar a estabilidade quanto reverter parte dos ganhos.
Desafios para sustentar o atual ciclo
O momento atual deve ser visto menos como ponto de chegada e mais como uma janela de oportunidade. O mercado de trabalho forte e a inflação sob controle oferecem condições para avançar em políticas que aumentem a produtividade, simplifiquem o sistema tributário e incentivem investimentos de longo prazo.
Sem essas mudanças, há o risco de que a economia fique presa ao mesmo dilema histórico: períodos curtos de bonança seguidos de ajustes duros.
No médio prazo, a capacidade de transformar a estabilidade conjuntural em crescimento sustentável dependerá de três fatores centrais: a melhora do ambiente fiscal, a redução gradual e responsável da Selic e a capacidade de absorver inovações tecnológicas e ganhos de eficiência.
Caso esses pilares avancem em conjunto, o Brasil poderá consolidar uma fase de crescimento menos volátil e mais inclusiva. Se não, o pleno emprego atual poderá ser apenas um episódio passageiro em um enredo de ciclos instáveis.