Belém — A expansão de fazendas ilegais de gado no Pará está destruindo territórios destinados à preservação ambiental e à subsistência de comunidades tradicionais. O relatório Gado Sujo, divulgado neste mês pela Human Rights Watch, mostra que o rebanho criado de forma irregular nessas áreas entrou na cadeia formal da carne, revelando a falência de um sistema de proteção ambiental incapaz de conter o desmatamento e punir a grilagem.
O estudo analisa a ocupação de duas áreas críticas: o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa e a Terra Indígena Cachoeira Seca. Ambas foram criadas para promover o uso sustentável da floresta, mas hoje abrigam centenas de hectares transformados em pasto.
Segundo a pesquisadora do HRW, Luciana Téllez Chávez, fazendas ilegais vendem gado para propriedades intermediárias, que repassam aos grandes frigoríficos. O esquema, afirma ela, mascara a origem do rebanho e perpetua a destruição da floresta.
Criado em 2006 pelo Incra, o Terra Nossa foi concebido como um modelo de reforma agrária sustentável, baseado no extrativismo de castanhas e frutas. Hoje, quase metade da área virou pastagem e três quartos estão ocupados de forma irregular.
Agricultores que resistiram sofreram ameaças e ataques. Desde 2019, quatro pessoas foram assassinadas e uma liderança comunitária sobreviveu a uma tentativa de execução.
Apesar das denúncias, o Incra reconhece que a retirada dos invasores ainda não ocorreu, embora existam mais de 50 ações judiciais em andamento.
Na Terra Indígena Cachoeira Seca, a invasão também restringe a vida das comunidades locais. Moradores relatam medo de circular pela floresta e perda de acesso a recursos naturais que sustentam suas famílias.
Para a HRW, a inação do governo federal — quase dez anos após a homologação do território — representa não apenas uma violação de direitos, mas o colapso do modelo brasileiro de proteção socioambiental. “Sem combater a impunidade, é impossível criar espaço para que uma bioeconomia prospere na Amazônia”, afirmou a pesquisadora em entrevista à Agência Brasil.

A diretora adjunta de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Patrícia Pinho, alerta que o cenário já ultrapassa a fronteira do risco.
“O que esperávamos para 2040 já está se materializando. De uma perspectiva indígena, o ponto de não retorno ecológico e social já está acontecendo”, afirmou à Agência Brasil.
Segundo ela, a degradação não ameaça apenas a floresta, mas o equilíbrio climático global e a credibilidade das metas de transição ecológica do país.
O relatório recomenda a criação de um sistema nacional de rastreabilidade do gado para impedir a “lavagem” de animais criados em áreas ilegais.
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Embora o Ministério da Agricultura tenha determinado que os estados adotem o sistema até 2032, a HRW questiona se a Amazônia pode esperar diante da urgência climática. Também defende ações imediatas para retomar áreas invadidas, restaurar florestas e fortalecer os meios de vida sustentáveis.
Às vésperas da COP30, que será sediada no Pará, o avanço do gado ilegal expõe o desafio central da política ambiental brasileira: conciliar desenvolvimento econômico com preservação. O desmonte da fiscalização e a lentidão das respostas institucionais colocam em risco a transição ecológica e o futuro da bioeconomia — pilares do que deveria ser o novo modelo de proteção da Amazônia.










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