Rio de Janeiro (RJ) — Um estudo divulgado nesta terça-feira (2) estimou que jogos de azar e apostas online custam R$ 38,8 bilhões por ano ao país, ao contabilizar impactos que vão de transtornos mentais a desemprego, endividamento e criminalidade. O levantamento, produzido por instituições dedicadas à saúde pública, alerta que a expansão acelerada das bets — favorecida pela tecnologia e pela frágil regulação — já impõe um peso significativo ao orçamento público e agrava desigualdades sociais em ritmo preocupante.
A pesquisa, intitulada “A saúde dos brasileiros em jogo”, foi conduzida pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), pela Umane e pela Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental.
A análise indica que 78,8% das perdas totais, o equivalente a R$ 30,6 bilhões, estão relacionadas a custos com saúde, incluindo atendimentos por depressão, ansiedade e transtornos associados ao uso compulsivo das plataformas de apostas. O estudo demonstra que, somente entre março e setembro, 17,7 milhões de brasileiros apostaram em bets.
Inspirados em metodologia britânica, os pesquisadores projetaram perdas diretas e indiretas para estimar quanto a prática tem custado ao país.
Os danos incluem R$ 17 bilhões decorrentes de mortes adicionais por suicídio, R$ 10,4 bilhões pela perda de qualidade de vida relacionada à depressão, além de gastos com seguro-desemprego, encarceramento e perda de moradia.
Embora esses números sejam estimativas, eles revelam que o crescimento do setor ocorre em paralelo ao aprofundamento do adoecimento mental e do endividamento familiar.
O contraste entre os custos sociais e a arrecadação pública mostra um desequilíbrio estrutural. Embora o volume de apostas tenha alcançado R$ 240 bilhões em 2024, a arrecadação anual com tributos das bets gira em torno de R$ 12 bilhões — e apenas 1% desse montante chega ao Ministério da Saúde.
Até agosto, apenas R$ 33 milhões haviam sido destinados às políticas públicas de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), sem vinculação a ações específicas da Rede de Atenção Psicossocial. É um retorno considerado insuficiente diante do impacto documentado.

A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, afirma que a combinação de publicidade intensiva, regulamentação tardia e fiscalização limitada criou um ambiente favorável à disseminação das apostas online, especialmente entre jovens e pessoas endividadas.
Para ela, a ausência de políticas públicas estruturadas para prevenção, acolhimento e tratamento amplifica riscos e deixa o país exposto a um problema de escala crescente.
Ela acrescenta que a prática tem sido impulsionada por um lobby comercial poderoso, frequentemente alheio ao interesse público.
O relatório destaca que a CPI das Bets, no Senado, chegou a investigar impactos da prática no orçamento das famílias, possíveis vínculos com o crime organizado e a atuação de influenciadores digitais.
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A rejeição do relatório final pela comissão frustrou a adoção de recomendações mais duras, num sinal de que o debate no Congresso ainda é marcado pela pressão de setores econômicos e pela dificuldade de construir consensos sobre regulação e fiscalização.
O estudo também revela que o setor de apostas é praticamente irrelevante para a geração de empregos e renda: apenas 1.144 vínculos formais foram registrados no país. Além disso, a informalidade atinge 84% dos trabalhadores da área, e apenas R$ 1 de cada R$ 291 de receita vira salário.
Para os pesquisadores, isso indica que a atividade tem baixa capacidade de distribuir renda ou promover desenvolvimento local, ao mesmo tempo em que amplia riscos sociais relevantes.
Ao analisar modelos estrangeiros, o relatório cita medidas britânicas como autoexclusão, restrições severas à publicidade e destinação obrigatória de impostos ao tratamento de saúde. Essas políticas, afirma o estudo, ajudaram a reduzir danos sem recorrer à proibição das apostas, oferecendo lições aplicáveis ao Brasil.
Entre as sugestões para o país, estão ampliar recursos destinados à saúde, restringir o acesso de pessoas vulneráveis, proibir publicidade e implementar normas rígidas para operadoras, de modo a inibir corrupção e fortalecer o interesse público.
Apesar das pressões contrárias, o debate sobre taxação ganha força no Congresso, onde tramita o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe elevar a alíquota das bets de 12% para até 24%.
Setores da indústria argumentam que isso fortaleceria o mercado clandestino, mas os autores da pesquisa afirmam que, sem mecanismos sólidos de redução de danos, a expansão das apostas tende a aprofundar desigualdades, pressionar ainda mais o SUS e comprometer o bem-estar de milhões de brasileiros.











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