Bem-estar social

Helsinque — Em um cenário europeu marcado pela estagnação e pelo aumento das desigualdades, a Finlândia mantém um caminho singular. O país continua tratando o bem-estar social não como custo orçamentário, mas como pilar produtivo. Essa opção, que vem sendo reafirmada nas últimas décadas, tornou-se eixo central de sua estratégia de desenvolvimento. O governo finlandês consolidou essa visão em seu Plano Nacional da Economia do Bem-Estar 2023–2025, que busca integrar políticas sociais, fiscais e industriais sob a mesma lógica: crescimento sustentável nasce da proteção e do investimento nas pessoas.

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A abordagem finlandesa tem raízes no pós-guerra. Nos anos 1950, o país ainda enfrentava reconstrução econômica e dependência de exportações primárias. A partir dos anos 1970, adotou políticas de Estado voltadas à universalização da educação, à saúde pública e à habitação, combinadas a uma política fiscal ativa e a sindicatos fortes.

O resultado foi um Estado de bem-estar moldado pela tradição social-democrata, mas adaptado ao pragmatismo do norte da Europa. Nos anos 1990, após uma crise financeira provocada pelo colapso da União Soviética, a resposta foi expandir investimentos públicos em pesquisa e inovação.

Foi desse ciclo que emergiu o polo tecnológico de Helsinque e empresas como a Nokia, ícone da capacidade estatal de converter capital humano em produtividade.

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Hoje, a Finlândia enfrenta um quadro de baixo crescimento, estimado em 0,7% para 2025 pela OCDE, e uma população em rápido envelhecimento. Mesmo assim, mantém as bases do seu modelo: dívida pública em torno de 73% do PIB, déficit de cerca de 2,2% e níveis de desigualdade e pobreza entre os menores da OCDE.

A confiança nas instituições públicas supera 80%, e a expectativa de vida média é de 82 anos. São números que traduzem a resiliência de um sistema fiscal robusto e amplamente legitimado pela população.

O princípio econômico é keynesiano em sua essência. O Estado atua como estabilizador automático, ampliando investimentos públicos quando o setor privado retrai. Educação gratuita, saúde universal e programas de renda garantida funcionam como amortecedores sociais e motores de produtividade.

A política social é vista como infraestrutura econômica — não uma despesa, mas um investimento de longo prazo. O gasto social representa cerca de 30% do PIB, e a política fiscal é usada de modo anticíclico para sustentar o consumo interno e a confiança coletiva.

O Plano Nacional da Economia do Bem-Estar propõe ir além das métricas tradicionais. O governo trabalha para incorporar ao planejamento econômico indicadores de saúde, equidade, sustentabilidade e coesão social.

Bem-estar social

A ideia é medir o sucesso nacional não apenas pelo PIB, mas pela capacidade de garantir bem-estar e estabilidade em tempos de incerteza global. Essa lógica inspira uma nova geração de políticas públicas na Europa, aproximando a Finlândia de uma economia orientada por valores humanos e ambientais.

A estrutura institucional também é parte do segredo. O Estado digitalizou mais de 90% dos seus serviços, reduziu custos e ampliou eficiência sem desmontar o setor público.

O investimento em pesquisa e desenvolvimento alcança 3,6% do PIB — um dos mais altos da Europa — e o governo pretende chegar a 4% até 2030, priorizando setores de energia limpa, biotecnologia e economia circular. Esse tripé — educação, inovação e proteção social — funciona como o alicerce da economia finlandesa contemporânea.

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Entretanto, o país não está isento de desafios. O envelhecimento populacional pressiona o orçamento e ameaça a oferta de mão de obra. Para superar isso, o governo discute políticas de imigração qualificada e adaptação do sistema previdenciário.

Ainda assim, o país segue entre os líderes mundiais em bem-estar, igualdade e governança. E ao contrário de boa parte do mundo desenvolvido, a Finlândia continua acreditando que o crescimento econômico começa pela coesão social.

A força do modelo finlandês é lembrar que prosperidade não se constrói em ciclos eleitorais, mas em gerações.

O país mostra que políticas redistributivas podem sustentar inovação, confiança e estabilidade fiscal. No momento em que grande parte das economias avança rumo à austeridade, Helsinque reafirma que o bem-estar social não é o fim da produtividade, é sua condição.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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