O Brasil desperdiça mais do que produz. Essa frase pode soar exagerada, mas descreve com precisão o que acontece quando um país com tanta matéria-prima, energia limpa e criatividade continua preso ao modelo linear de economia: extrair, consumir, descartar.
Vivemos em um território onde quase tudo é reaproveitável, mas quase nada é reaproveitado. A cada tonelada de resíduo que vai para o lixo, perde-se também um pouco de futuro.
A economia circular é mais do que uma ideia de reciclagem. É uma mudança completa na forma de pensar o crescimento. Em vez de esgotar os recursos e tratar o resíduo como sobra, ela propõe regenerar o que se usa e manter o valor dos produtos em circulação pelo maior tempo possível.
É o oposto da lógica do descarte rápido e da obsolescência programada que dominou o século XX. E o curioso é que o Brasil, com sua biodiversidade e capacidade industrial, tem tudo para ser referência nesse novo modelo — exceto a visão de longo prazo.
Falta planejamento, continuidade e uma política econômica que entenda a circularidade como estratégia de desenvolvimento, não como pauta ambiental isolada. Quando se fala em sustentabilidade no país, o debate ainda fica restrito ao consumo consciente ou à reciclagem doméstica.
Mas a economia circular começa muito antes, no design do produto, na escolha dos materiais, na logística reversa e na cultura empresarial. É um sistema que exige coordenação entre governo, indústria e sociedade. E é exatamente aí que o Brasil emperra.
De um lado, o Estado ainda atua de forma fragmentada, criando programas pontuais sem integração entre ministérios. De outro, o setor privado continua enxergando sustentabilidade como custo reputacional, não como investimento produtivo.

O resultado é um país com leis avançadas no papel, mas com cadeias produtivas que desperdiçam energia, matéria-prima e conhecimento. A cada vez que uma empresa prefere importar insumo novo em vez de reaproveitar o que já existe, ela reforça o atraso competitivo.
Nos últimos anos, o mundo vem tratando o tema com pragmatismo. A Europa transformou a economia circular em eixo industrial. A China inseriu a circularidade no centro de seu plano de desenvolvimento. E o Brasil, dono da maior floresta tropical e de um agronegócio gigantesco, ainda discute se reciclar plástico é suficiente. Não é.
O desafio vai além das garrafas e latinhas: envolve transformar resíduos agrícolas em energia, dar destino aos rejeitos de mineração, reaproveitar rejeitos têxteis, usar biomassa para gerar valor e estimular novas cadeias de inovação.
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O que falta é reconhecer que a circularidade é uma vantagem competitiva. Um país que depende menos de extração e mais de regeneração se torna mais resistente a crises de oferta e preço. Reduz custos, atrai investimento estrangeiro e gera empregos locais de maior qualidade. Isso é economia, não utopia.
Mas o discurso ambiental, por aqui, ainda é tratado como “causa” e não como estratégia industrial. Enquanto isso, seguimos exportando minério bruto e importando eletrônicos caros — a síntese perfeita de uma economia que gira em círculos, mas não é circular.
O Brasil poderia liderar essa transição se colocasse a inovação e a sustentabilidade na mesma mesa. Falta coordenação, incentivos e ambição. A economia circular não é o futuro distante — é a forma mais inteligente de existir no presente. O que impede o país de liderá-la não é a falta de recursos, mas a incapacidade de enxergar que o desperdício é o novo subdesenvolvimento.
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