Brasília — A expansão das lavouras de café provocou a perda de 737 mil hectares de cobertura florestal no Brasil entre 2002 e 2023, segundo relatório divulgado nesta quarta-feira (22) pela organização internacional Coffee Watch. O estudo alerta que o desmatamento associado ao setor ameaça não apenas a biodiversidade, mas o próprio equilíbrio climático que sustenta a produção da commodity mais exportada do país.
De acordo com o levantamento, cerca de 312 mil hectares foram desmatados diretamente para o cultivo, enquanto o restante da perda corresponde à degradação florestal em áreas já ocupadas pela cafeicultura.
O documento, elaborado com base em dados do MapBiomas, Hansen Global Forest Change e da missão Soil Moisture Active Passive (SMAP) da NASA, mostra que o impacto ambiental tende a reduzir a umidade do solo e a frequência das chuvas nas zonas produtoras.
O Brasil responde por mais de um terço da produção global de café, exportando dezenas de milhões de sacas por ano. Mas a combinação entre avanço do desmatamento e déficit hídrico crescente coloca o setor em uma encruzilhada.
“O desmatamento não é apenas um desastre de carbono e biodiversidade — ele também está matando chuvas e levando a perdas de safra”, afirmou a diretora da Coffee Watch, Etelle Higonnet, em nota.
Em Minas Gerais, principal estado produtor, oito dos últimos dez anos registraram déficit de precipitação. A Coffee Watch destaca que, segundo medições de satélite, a umidade do solo nas principais zonas cafeeiras caiu até 25% em seis anos.
A perda de cobertura florestal reduz a evapotranspiração e altera o regime de ventos e chuvas — um fenômeno já observado na Amazônia e que agora preocupa também o Sudeste.
Com a irregularidade das chuvas, produtores têm recorrido a sistemas de irrigação cada vez mais caros para manter a produtividade.

O relatório recomenda a adoção de práticas agroflorestais sustentáveis, que hoje abrangem menos de 1% das áreas de cultivo. Esses modelos integram árvores e sombreamento natural às lavouras, favorecendo a retenção de umidade e a recuperação do solo.
Entidades do setor contestam parte das conclusões. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) afirmou que o estudo considera o desmatamento de municípios inteiros e não apenas das propriedades produtoras.
A entidade cita pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais de 2023, segundo a qual 99% das 115 mil fazendas registradas no Cadastro Ambiental Rural não apresentaram desmatamento significativo desde 2008.
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O debate, no entanto, evidencia a pressão crescente sobre a sustentabilidade da cafeicultura brasileira. Embora a produtividade nacional tenha avançado com tecnologia e irrigação, as mudanças climáticas ampliam o risco de perdas e deslocamento das áreas ideais de cultivo para regiões mais altas e úmidas.
O café, uma cultura sensível à temperatura e à umidade, tornou-se um termômetro das transformações ambientais em curso.
O relatório da Coffee Watch reforça que a competitividade futura do produto dependerá da capacidade de restaurar e preservar as florestas que regulam o regime de chuvas. Sem floresta, não há café e sem equilíbrio climático, o agronegócio brasileiro perde sua principal vantagem comparativa.










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