São Paulo (SP) — O boletim especial do Dia da Consciência Negra, divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que a combinação de racismo estrutural e desigualdade de gênero continua impondo às mulheres negras as piores condições de inserção, permanência e ascensão no mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram que, mesmo assumindo a responsabilidade de sustentar milhões de lares, elas seguem excluídas de oportunidades formais, recebem salários mais baixos e enfrentam a maior taxa de desocupação entre todos os grupos analisados.
Mesmo sendo fundamentais para a dinâmica econômica do país, elas seguem invisíveis nas decisões, hierarquias e na distribuição de renda, sendo que a desigualdade aparece não somente em indicadores, mas também no acúmulo de desvantagens.
Essas, por sua vez, moldam todo o percurso profissional, uma vez que enfrentam um mercado que oferece menos vagas, remuneração menor e condições mais precárias.
De acordo com o próprio relatório, a taxa de desocupação desse grupo chega a 8%, que representa o dobro em comparação ao de homens brancos, reforçando a persistência de barreiras estruturais que se repetem por décadas em nosso país.
E o problema continua mesmo quando elas conseguem uma posição no mercado. Nesses casos, a remuneração média é 53% menor que homens brancos, o que representa um valor anual de R$ 30.800 a menos durante todo o ano.
Essa distância salarial vale não só para mulheres com baixo nível de escolaridade. Aquelas que possuem ensino superior também recebem um ordenado menor do que homens brancos, podendo chegar a R$ 58 mil de diferença anuais.
Esse cenário não resulta de fatores conjunturais, mas da somatória de limitações impostas historicamente às mulheres negras, desde a ocupação forçada de espaços de trabalho menos valorizados até a dificuldade de romper barreiras que continuam determinando quem tem direito a estabilidade, carreira e segurança econômica.
Maria Júlia Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, em entrevista ao próprio portal da entidade, esclarece que esse é um cenário crítico que exige políticas públicas amplas que priorizem o acesso à educação e à formalização.
Segundo ela, enquanto isso não ocorrer, as mulheres negras seguirão sustentando famílias e movimentando economias em condições muito mais adversas quando comparadas a outros grupos da população.

Inclusive, o próprio estudo mostra que uma parcela expressiva das mulheres negras trabalha em atividades doméstica e limpeza, setores conhecidos pelos baixos salários e pouca valorização.
Mesmo quando chegam a disputar posições de chefia, o funil é brutal. Os dados do Dieese mostram que a presença de mulheres negras em cargos de liderança é estatisticamente residual.
Para se ter uma dimensão: enquanto a cada 17 homens brancos, 1 aparece nesses postos, a proporção de mulheres negras chega a ser mais de duas vezes menor, ou seja, 1 para cada 46 mulheres. É uma porta que se fecha antes mesmo da entrevista.
A combinação desses fatores revela mais do que um quadro estatístico: mostra uma estrutura que opera de forma desigual na oferta de oportunidades e na distribuição dos frutos do desenvolvimento.
Leia Mais
-
Mercado projeta inflação de 4,45% em 2025, abaixo do teto da meta
-
Expandir o cultivo de cana, milho e soja em terras degradadas pode triplicar produção de bioenergia no Brasil
-
Dados oficiais desmentem mito de que 50% dos brasileiros recebem auxílio assistencial
-
Economia brasileira cresce 0,1% no 3º trimestre, aponta monitor da FGV
Outro ponto relevante do estudo é a constatação de que essas desigualdades persistem mesmo em períodos de melhora econômica geral. Ou seja, o crescimento não chega da mesma forma para todos.
O mercado absorve primeiro homens brancos, depois mulheres brancas e, por último, mulheres negras. Essa ordem de exclusão demonstra que políticas de qualificação, acesso à educação e incentivos à formalização, embora importantes, não bastam sozinhas para romper as barreiras.
Nesse sentido, o enfrentamento da desigualdade racial e de gênero exige políticas permanentes, fiscalização trabalhista robusta, sindicatos fortes e acesso igualitário a programas voltados a promoção de equidade dentro das empresas.
Não se trata apenas de corrigir distorções salariais, mas de alterar uma estrutura que distribui oportunidades conforme cor e gênero.
Portanto, nesse dia da consciência negra, pouco se tem ainda para comemorar, e muito para lutar por um país que invista em políticas públicas para romper com o racismo estrutural, e consequentemente plantar a semente de um mais mais humano, equitativo e justo.











Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Ainda não há comentários nesta matéria.