São Paulo (SP) — Um levantamento baseado exclusivamente em dados oficiais do Governo Federal e do IBGE desmonta uma das narrativas mais disseminadas nas redes sociais nos últimos meses: a de que “metade dos brasileiros vive de programa assistencial”. As informações públicas mostram que 58,05 milhões de pessoas recebem algum benefício federal permanente de assistência social com transferência direta de renda — o equivalente a 27,20% da população, ou seja, pouco mais da metade do percentual divulgado nas redes por influenciadores e grupos políticos que tentam caracterizar o país como “dependente de auxílio”.
O dado consolidado considera apenas os dois programas assistenciais definidos pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS): o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A metodologia segue critérios adotados por organismos internacionais como ONU, Banco Mundial, OCDE e PNUD, que distinguem programas de assistência social de renda de benefícios previdenciários, trabalhistas ou subsídios, que têm natureza completamente distinta.
A população brasileira usada no cálculo é a estimada pelo IBGE para 2025 — 213,4 milhões de habitantes. Essa referência permite medir com precisão o percentual de brasileiros que recebem assistência social de renda.
Diferentemente do que circula nas redes, o estudo não inclui aposentadorias, pensões, FGTS, seguro-desemprego ou isenções. Também não contabiliza “cadastros” no CadÚnico, já que a inscrição, por si só, não implica recebimento de renda pública.
Em novembro de 2025, segundo a Agência GOV, 18,65 milhões de famílias receberam o Bolsa Família. De acordo com a PNAD Contínua 2023/2024 do IBGE, a média oficial de pessoas por domicílio é de 2,79.
Considerando esse valor, basta multiplicar 18,65 milhões de famílias que receberam o Bolsa Família em novembro de 2025 por 2,79, o que resulta em 52,03 milhões de pessoas que vivem em domicílios beneficiados pelo Bolsa Família.
Além do Bolsa Família, há no Brasil o Benefício de Prestação Continuada, o (BPC) que é um benefício assistencial garantido pelo LOAS, destinado a idosos em situação de vulnerabilidade e pessoas com deficiência.
Atualmente, segundo dados da Agência GOV, 6,02 milhões de pessoas recebem esse benefício. Somados os dois programas assistenciais, temos o equivalente a 58,05 milhões de pessoas que de forma direta ou indireta recebem benefícios sociais.

Ao dividirmos esse valor pelo total de brasileiros estimados pelo IBGE em 213,4 milhões e multiplicarmos por 100, temos o equivalente a 27,20% da população. Um número bem aquém dos que foram divulgados em redes da extrema direita.
Vale destacar que no cálculo, consideramos pessoas que vivem em domicílios beneficiados, pois se considerássemos somente o número de benefícios concedidos, temos o valor de 18,65 milhões no Bolsa Família e mais 6,02 milhões no BPC, somando 24,67 milhões de benefícios concedidos, o que equivale ao percentual de 11,56% da população.
Essa é uma distinção fundamental, porque revela que metade do país não depende de programas de transferência; mais que isso, desmonta a tese politizada de que haveria “um Brasil paralisado pela assistência”, argumento frequentemente usado para atacar políticas sociais.
O Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do país, atende famílias em situação de vulnerabilidade, mas não restringe o acesso a pessoas sem renda.
Milhões de famílias contempladas trabalham e possuem rendimentos próprios, algo ignorado nas narrativas que tratam a assistência social como sinônimo de dependência ou ociosidade.
Já o BPC destina-se especificamente a idosos em condição de vulnerabilidade e pessoas com deficiência — um público com necessidades permanentes e sem contrapartida exigida, justamente por sua natureza protetiva.
A insistência em inflar o número de beneficiários não é casual. Em contextos políticos polarizados, o discurso segundo o qual “metade do país vive de auxílio” sustenta teses que tentam deslegitimar investimentos sociais e políticas redistributivas.
Ao somar benefícios que não são assistência social — e às vezes até registros que não significam pagamento — os autores dessas afirmações constroem propositalmente uma ideia distorcida da realidade brasileira, sugerindo que o Estado “sustenta massas”, quando, na prática, o país ainda convive com profunda desigualdade e insuficiência de redes de proteção.
A checagem reforça como a disputa sobre números se tornou parte central do debate público. Programas sociais são frequentemente retratados como gastos descontrolados, quando representam apenas uma fração mínima do orçamento federal e desempenham papel essencial na garantia de renda mínima e redução da pobreza.
Vale destacar que o valor total das despesas do Governo Federal pago em 2024, de acordo com o Portal da Transparência foi de R$ 4,392 trilhões.
Desse total, o gasto com o programa Bolsa Família foi de R$ 168,3 bilhões e o gasto com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi de R$ 111,5 bilhões.
Somados os dois programas, o total da despesa foi de R$ 279,8 bilhões, o que representa um percentual de 6,37% do orçamento público gasto com assistência social.
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A efeito de comparação, o gasto com juros da dívida no mesmo ano foi de R$ 998 bilhões, o que representa 22,72% destinados ao pagamento de juros da dívida pública.
Esses números evidenciam a falácia de que o país gasta muito com assistencialismo e mostram como o uso indevido de dados atua como arma política: distorce percepções, alimenta hostilidade contra beneficiários e constrói um imaginário que criminaliza políticas reconhecidas internacionalmente por sua eficácia.
O resultado da análise também aponta para outro desafio: a necessidade de precisão metodológica. A distinção entre assistência social, previdência e benefícios trabalhistas é um pilar básico das estatísticas públicas, mas essa fronteira é frequentemente apagada em publicações que buscam criar sensação de “inchamento” estatal.
Ao ignorar categorias jurídicas e finalidades específicas, essas narrativas produzem números que soam alarmantes, mas que não correspondem à estrutura real dos programas.
Portanto, à luz dos dados oficiais e dos critérios internacionais que separam assistência social de benefícios previdenciários ou trabalhistas, não há sustentação factual para a alegação de que metade da população recebe auxílio.
O dado real mostra um país que ainda luta para assegurar direitos básicos, não um país “dependente” ou paralisado por programas assistenciais.
Ao expor a diferença entre mito e realidade, o levantamento feito pela equipe de redação da IA Dinheiro com base em dados oficiais e metodologias aceitas internacionalmente reforça a importância de debate público ancorado em dados verificáveis.
Afinal, em tempos de desinformação acelerada, precisão estatística torna-se não apenas rigor técnico, mas um imperativo democrático.











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