Crise dos chips

Bruxelas (Bélgica) — A recente intervenção do governo holandês na fábrica de semicondutores Nexperia, controlada por capital chinês, expôs a vulnerabilidade da Europa em uma disputa que já extrapola o comércio: a batalha pelo controle das cadeias tecnológicas e minerais do século XXI. Após semanas de incerteza, Pequim voltou a liberar o fornecimento de chips para o setor automotivo europeu — mas apenas por 12 meses e restrito a uso civil —, num gesto que revelou até onde vai sua capacidade de coerção econômica sobre o continente.

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A medida acalmou montadoras e mercados, mas acendeu um sinal de alerta nas capitais europeias. A União Europeia, que já acumula um déficit comercial de € 300 bilhões com a China, vê-se diante de um parceiro indispensável e, ao mesmo tempo, imprevisível.

Em abril, o bloqueio à exportação de ímãs e terras-raras chinesas paralisou linhas de produção na Alemanha e na França. Milhares de carros ficaram estacionados à espera de componentes, e a dependência de 95% das importações de terras-raras provenientes da China revelou um quadro que especialistas chamam de “estrangulamento gradual”.

Para analistas, o episódio marca uma virada. “A Europa não é mais dano colateral da disputa sino-americana; tornou-se alvo direto”, resume Andrew Small, do German Marshall Fund. A China, diz ele, aprendeu a usar o comércio como instrumento de poder — um “fio de espada permanente” sobre as economias ocidentais.

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O conceito de “weaponização” das relações comerciais, antes associado aos Estados Unidos, passou a ser atribuído a Pequim. Segundo o pesquisador Jens Eskelund, da Câmara de Comércio Europeia na China, a questão não está em produtos baratos ou supérfluos, mas na dominação de setores estratégicos como semicondutores, energia limpa e materiais críticos.

“Se nada for feito, a Europa deixará de produzir turbinas eólicas em poucos anos”, alertou em conferência recente em Bruxelas.

Apesar do alerta, a reação institucional ainda é tímida. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tenta equilibrar “redução de riscos” com manutenção do diálogo — política batizada de de-risking, não decoupling. Mas vozes influentes pedem medidas mais firmes.

O francês Emmanuel Macron defende acionar o novo instrumento anticoerção da UE, que permitiria restringir importações chinesas e até banir empresas de licitações públicas. Berlim, dependente das vendas de 800 mil veículos por ano ao mercado chinês, resiste: teme retaliações devastadoras.

Crise dos chips

Nos bastidores, diplomatas admitem que o bloco está sempre reagindo, mas nunca ditando o ritmo. O caso Nexperia reforçou essa percepção. Ao reter exportações críticas e exigir de empresas alemãs o envio de informações sigilosas em troca de licenças de importação, Pequim conseguiu o que nem governos europeus têm: acesso privilegiado às cadeias produtivas continentais. Trata-se de poder econômico convertido em inteligência industrial.

A dependência se estende também às tecnologias verdes. A Europa, pioneira em energia eólica, hoje importa da China 60% dos componentes usados na montagem de turbinas. No setor de carros elétricos, o avanço chinês é ainda mais acentuado — e as tarifas europeias têm efeito limitado. O resultado é que enquanto o bloco tenta liderar a transição ecológica, entrega ao rival asiático o controle dos insumos que a viabilizam.

Sob uma leitura política mais ampla, o confronto reflete a reconfiguração das forças globais. A China projeta poder econômico como quem expande fronteiras, transformando interdependência em instrumento de disciplina. A Europa, que durante décadas se apoiou na estabilidade regulatória e na integração pacífica do comércio, enfrenta agora o desafio de combinar soberania industrial com sustentabilidade.

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Para o economista Nigel Stewart, do Imperial College London, “a Europa está dez anos atrasada para reconstruir sua cadeia de suprimentos”. Reabrir minas e refazer a produção de ímãs e semicondutores levará tempo e exigirá investimentos públicos bilionários — algo que contrasta com o pragmatismo industrial de Xi Jinping, que consolidou controle sobre 96% da produção global de magnetos.

A crise dos chips Nexperia, portanto, vai além da tecnologia. Ela simboliza o novo campo de disputa entre modelos de desenvolvimento: de um lado, a economia planificada e estratégica chinesa; de outro, o liberalismo europeu tentando reaprender o papel do Estado como protetor de seus setores vitais.

A lição que fica ao velho continente é que não existe transição verde nem autonomia digital sem política industrial robusta. A Europa, que durante décadas pregou o mercado como regulador supremo, agora descobre o custo da dependência. E o caso Nexperia é mais que um episódio de tensão — é o retrato de um continente confrontado com a própria vulnerabilidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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