Brasília — A indústria automotiva brasileira pode enfrentar uma nova paralisação nas próximas semanas devido à escassez de semicondutores no mercado global. O alerta foi feito pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), após montadoras relatarem dificuldade de acesso a chips importados da China. O problema, porém, vai além da conjuntura imediata: revela o quanto a estrutura produtiva nacional continua dependente de cadeias estrangeiras de alta tecnologia.
Segundo o presidente da Anfavea, Igor Calvet, em entrevista à Folha de S.Paulo, o setor já recebeu notificações sobre possível interrupção no fornecimento de componentes essenciais.
“A indústria pode começar a parar nas próximas duas ou três semanas”, disse.
A crise tem origem na disputa geopolítica entre China, Estados Unidos e Europa pelo controle de tecnologias e minerais críticos usados na fabricação de semicondutores — insumos presentes em praticamente todos os sistemas eletrônicos de automóveis, celulares e equipamentos industriais.
O episódio expõe a vulnerabilidade de um modelo econômico que reduziu o investimento em tecnologia nacional e manteve o país como consumidor, e não produtor, de inovação. Hoje, o Brasil importa praticamente todos os chips usados na indústria, o que torna qualquer oscilação global um risco imediato para o emprego e a produção.
A falta de uma política industrial de longo prazo, capaz de integrar o país às cadeias de valor tecnológicas, agrava a dependência e amplia os custos de crises externas como a atual.
A disputa internacional se intensificou após o governo holandês assumir o controle da empresa Nexperia, subsidiária de um grupo chinês, sob suspeita de transferência indevida de tecnologia.

A medida provocou reação da China, que restringiu exportações do setor, afetando cadeias produtivas no mundo todo. Como o Brasil depende de fornecedores que utilizam componentes da Nexperia em módulos eletrônicos de veículos leves e pesados, o impacto foi imediato.
O Sindipeças, sindicato das indústrias de autopeças, enviou carta ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, pedindo que o governo atue diplomaticamente junto à China para evitar o desabastecimento.
O documento alerta para risco real de paralisação de linhas de produção e descumprimento de contratos de exportação. O Ministério ainda não se manifestou.
A crise dos semicondutores reacende um debate central: a necessidade de o Brasil reconstruir sua base industrial e tecnológica para reduzir a vulnerabilidade externa. Depois de décadas de desindustrialização, a dependência de insumos importados tornou-se um gargalo para o crescimento.
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No momento em que potências disputam minerais críticos e dominam a produção de chips, o país volta a enfrentar o mesmo dilema de sempre — crescer sem autonomia tecnológica.
Para o governo, a “nova industrialização verde” busca enfrentar esse desafio ao combinar inovação e sustentabilidade. Mas, sem investimento consistente em pesquisa e desenvolvimento, centros de semicondutores e domínio tecnológico próprio, o país continuará sujeito a paradas produtivas e choques globais.
A escassez de chips é apenas um sintoma de algo mais profundo: o Brasil ainda não domina as engrenagens do seu próprio desenvolvimento.










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