Genebra — A crise climática já é o novo mapa da pobreza global. Um relatório divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Universidade de Oxford aponta que 1,1 bilhão de pessoas — quase um quinto da população dos 109 países analisados — vivem em situação de pobreza multidimensional, sem acesso adequado a educação, moradia, energia, água ou saneamento. Destas, quase 80% estão expostas a pelo menos um risco climático grave, como secas, ondas de calor, enchentes ou poluição do ar. A combinação de privação e exposição ambiental cria uma espiral que ameaça décadas de avanços sociais e redefine a geografia da desigualdade mundial.
O estudo, intitulado Global Multidimensional Poverty Index 2025, mostra que 651 milhões de pessoas enfrentam dois ou mais perigos climáticos simultaneamente. A pobreza multidimensional, diferente da medida apenas pela renda, revela a sobreposição de carências básicas que tornam famílias mais vulneráveis à perda de meios de vida.
Em muitos países, a precariedade habitacional e a ausência de infraestrutura tornam as enchentes mais letais, as secas mais longas e o calor mais difícil de suportar.
As regiões mais afetadas são a África Subsaariana e o Sul da Ásia, que concentram 83 % da população pobre do planeta e estão entre as mais vulneráveis ao aquecimento global. Nos países de renda média-baixa, onde vivem 548 milhões de pessoas pobres, o relatório registra a nova fronteira da vulnerabilidade: são nações com economias industriais incipientes, agricultura frágil e baixa capacidade de adaptação.
Esses países enfrentam, ao mesmo tempo, o avanço da desertificação e a intensificação das chuvas — sintomas de um desequilíbrio que já se traduz em perdas econômicas bilionárias e fluxos crescentes de migração.
Segundo as projeções do PNUD, as regiões mais quentes do globo poderão enfrentar até 92 dias adicionais por ano acima de 35 °C até o fim do século, caso as emissões sigam no ritmo atual. “A pobreza e o clima estão profundamente interligados. Sem investimentos em adaptação, cada novo desastre empurra milhões de pessoas para a miséria”, afirma Achim Steiner, administrador do PNUD, em nota divulgada junto ao relatório.
O documento ressalta que o impacto não é apenas humanitário: é econômico. Países que concentram populações pobres e vulneráveis também são os mais dependentes de agricultura e de recursos naturais.
O colapso de colheitas e o deslocamento populacional ampliam o endividamento público, pressionam sistemas de saúde e reduzem produtividade. O FMI estima que perdas climáticas podem custar até 12% do PIB em algumas nações africanas até 2050.

O relatório também alerta que o combate à pobreza e a transição verde são, na prática, agendas inseparáveis. A mitigação das emissões de gases estufa precisa andar junto com políticas de redistribuição, educação e infraestrutura. “Os pobres contribuem menos para a crise climática, mas pagam o preço mais alto”, resume Sabina Alkire, diretora do Oxford Poverty and Human Development Initiative.
Para ela, os indicadores revelam que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável só serão alcançados se houver uma política global de financiamento climático capaz de compensar desigualdades históricas.
A concentração da pobreza em países de renda média muda a equação da cooperação internacional. Essas nações — entre elas o Brasil, a Índia e a Indonésia — não se enquadram mais na categoria de países pobres, mas abrigam populações amplas sujeitas à precariedade e aos efeitos extremos do clima.
Por isso, o relatório defende ampliar o alcance de fundos multilaterais como o de Perdas e Danos, aprovado nas últimas COPs, para apoiar políticas de adaptação em países que ainda lutam para equilibrar orçamento, desenvolvimento e preservação ambiental.
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No caso brasileiro, o alerta é direto. O Nordeste semiárido figura entre as áreas mais expostas à escassez hídrica e às ondas de calor prolongadas, enquanto a Amazônia enfrenta o colapso dos ciclos de chuva e o aumento das queimadas.
Ambos os fenômenos atingem as populações mais pobres e negras, que vivem em zonas rurais ou periferias urbanas sem acesso adequado a serviços públicos. O desafio nacional, portanto, é reduzir desigualdades internas e adaptar sua economia ao clima que já mudou.
A leitura do relatório reforça que o desenvolvimento sustentável depende menos de metas abstratas e mais de capacidade institucional. A transição verde, se guiada apenas pelo mercado, tende a reproduzir o mesmo padrão de exclusão que originou a crise. A saída passa por Estados fortes, investimentos em ciência, infraestrutura e educação — pilares que podem transformar vulnerabilidade em oportunidade.
A ONU conclui que o combate à pobreza e à emergência climática é uma única agenda. Sem redistribuição, não há resiliência e sem resiliência, não haverá futuro.










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