Brasília — A 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) encerrou-se, em setembro, como símbolo de um novo ciclo de participação social e formulação de políticas públicas no país. Após sete anos de interrupção, o encontro reuniu mais de duas mil pessoas em Brasília e resgatou um espaço de construção coletiva que conecta democracia, economia e reparação histórica. Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, “os resultados vieram das emergências que o povo negro tem enfrentado”, em referência à urgência de transformar reivindicações sociais em projetos concretos de Estado.
A conferência, organizada pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e pelo Ministério da Igualdade Racial, mobilizou delegações de todos os estados e retomou o protagonismo da sociedade civil na definição de políticas públicas.
O evento teve como tema “Igualdade e Democracia: Reparação e Justiça Racial” e resultou na sistematização de mais de 500 propostas, elaboradas a partir de conferências municipais, estaduais e da etapa digital na plataforma Brasil Participativo.
Para Anielle, o processo reafirma a vitalidade de um modelo de governança baseado na escuta social.
“É um orgulho enorme a gente ter conseguido tirar a Conferência do papel e ter feito essa participação concretamente valer a pena, com quase duas mil pessoas, vários estados e delegações”, afirmou durante o programa Bom dia, Ministra.
Ela ainda destacou que os resultados traduzem o acúmulo de anos de discussão do movimento negro, quilombola, indígena e de povos tradicionais, mas também refletem as urgências econômicas enfrentadas por essas comunidades.
Entre as principais demandas levantadas na Conapir estão a titulação de territórios quilombolas, o acesso à moradia digna e políticas voltadas à empregabilidade e à saúde da população negra — áreas que, embora tratadas como direitos civis, têm impacto direto sobre a economia e o desenvolvimento regional.
Cada uma dessas pautas envolve circulação de recursos, crédito, infraestrutura e investimento público, compondo o que técnicos chamam de economia da inclusão: políticas sociais que geram renda, emprego e crescimento local.

A ministra reconheceu, contudo, que a efetividade dessas propostas depende da articulação entre os diferentes níveis da federação.
“Para que a política chegue na ponta, a gente precisa dos governadores e dos prefeitos. Esse é um grande desafio. A gente precisa lembrar que não é sobre onde voto, mas sobre cuidar do povo”, destacou.
A fala sintetiza uma das fragilidades estruturais da gestão pública no Brasil: a dificuldade de integrar agendas nacionais às realidades municipais.
Além de traduzir reivindicações históricas, a Conapir reacendeu o debate sobre o racismo ambiental — tema que dialoga diretamente com a COP30, marcada para Belém em 2025. Segundo Anielle, as populações negras, quilombolas e indígenas estão entre as mais afetadas pelas mudanças climáticas e pela desigualdade no uso do território.
“Tudo o que diz respeito ao racismo ambiental e à COP30 tem sido feito em parceria. Na Conapir muito foi falado sobre isso, desde onde as pessoas vão ficar hospedadas até o que a gente precisa e espera ter como resultado, até porque povos quilombolas e indígenas são agentes culturais que preservam a nossa territorialidade e a cultura ambiental do país”, disse.
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O diálogo entre igualdade racial e transição ecológica revela uma mudança no modo como o governo trata a pauta racial: não mais como política setorial, mas como vetor de desenvolvimento.
Programas de titulação de terras, moradia e fomento produtivo em comunidades quilombolas, quando somados, têm potencial de movimentar cadeias produtivas locais e redistribuir riqueza — um efeito que vai além da reparação simbólica. Trata-se de economia, emprego e sustentabilidade.
O encontro também serviu para medir o grau de mobilização social em torno dessas agendas. Depois de anos de retração dos espaços participativos, a conferência mostrou que há demanda reprimida por diálogo e formulação coletiva.
O fato de mais de 500 propostas terem sido sistematizadas indica que a sociedade civil voltou a exercer papel de planejamento — característica central em países que constroem políticas de longo prazo.
Ao final da Conapir, a ministra destacou que o próximo passo é transformar as propostas em políticas efetivas, em sintonia com programas já em andamento.
“A sociedade civil e o movimento negro construíram conosco mais de 500 propostas que agora precisam ser pontuadas com o que já está em curso. Você pode chegar em qualquer cargo que queira, mas se não tiver vontade de fazer com que isso caminhe, não sai do papel”, afirmou.
A realização da conferência, portanto, tem significado político e econômico: recoloca a igualdade racial no núcleo das políticas de desenvolvimento e reconstrói canais de diálogo entre governo e sociedade. A Conapir não apenas reabriu um espaço de escuta — reafirmou a noção de que democracia e economia se sustentam quando incluem as vozes de quem historicamente esteve à margem.










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