Combate à desinformação

Belém (PA) — Um grupo de 12 países firmou nesta quarta-feira (12), na COP30, a Declaração de Integridade da Informação sobre Mudanças Climáticas, um acordo inédito que coloca o combate à desinformação no centro da governança ambiental. A iniciativa surge diante da crescente influência de conteúdos falsos sobre negociações climáticas e busca proteger decisões baseadas em ciência em um momento em que governos alertam para o avanço do negacionismo.

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A declaração, assinada por Brasil, Canadá, Chile, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Espanha, Suécia, Uruguai, Países Baixos e Bélgica, formaliza um entendimento cada vez mais evidente entre diplomatas e especialistas: sem informação qualificada, o multilateralismo climático perde sua capacidade de formar consensos e de estimular ações coordenadas.

O documento prevê medidas para limitar a circulação de conteúdos enganosos, proteger cientistas e jornalistas ambientais e ampliar o monitoramento de redes que disseminam ataques contra políticas de mitigação e adaptação.

O anúncio ocorreu no Hangar Centro de Convenções da Amazônia, em Belém, na mesma semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a COP30 precisava representar “uma nova derrota aos negacionistas”.

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O movimento reflete uma mudança de postura na diplomacia global: a desinformação deixou de ser tratada como perturbação lateral e passou a ser vista como fator de risco institucional, capaz de atrasar decisões, distorcer debates públicos e fragilizar compromissos de longo prazo.

A iniciativa integra a Iniciativa Global para a Integridade da Informação Climática, elaborada em parceria entre o Governo brasileiro, o Departamento Global de Comunicações da ONU e a UNESCO.

Para o secretário de Políticas Digitais da Presidência, João Brant, o objetivo é reequilibrar um ambiente digital dominado por algoritmos que priorizam conteúdos polarizadores e, muitas vezes, fabricados estrategicamente para desacreditar a ciência climática.

O enviado especial da COP30 para Integridade da Informação, Frederico Assis, afirmou que campanhas coordenadas têm influenciado desde negociações diplomáticas até respostas emergenciais em contextos de desastres.

Combate à desinformação

Segundo ele, boatos digitais durante eventos extremos já comprometeram operações de segurança e resgate, aumentando riscos para populações vulneráveis. Assis teme que o problema possa interferir na própria capacidade da COP de produzir resultados concretos.

A preocupação também é compartilhada pela UNESCO, que vê no momento uma oportunidade histórica. Para o diretor de Políticas e Inclusão Digital do organismo, Guilherme Canela, ainda existe pouca compreensão global sobre quem financia e organiza redes de desinformação sobre clima, o que dificulta respostas mais robustas.

O novo fundo global criado pela iniciativa já recebeu 447 propostas de quase 100 países, com foco em jornalismo investigativo, pesquisas sobre ecossistemas digitais e capacitações no Sul Global.

Enquanto governos discutem estruturas regulatórias, comunicadores têm observado o impacto cotidiano da disputa narrativa. A influenciadora ambiental Maria Clara Moraes, da plataforma Marias Verdes, diz que as narrativas negacionistas “mudam de formato” conforme a conjuntura, mas seguem uma lógica comum: semear descrença na ciência e desmobilizar a sociedade.

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Segundo ela, um dos discursos mais nocivos é o que tenta convencer o público de que ações climáticas são inúteis ou tardias demais, alimentando um cansaço que favorece interesses econômicos contrários à transição ecológica.

No entanto, a presença crescente de jovens na COP30 mostra avanços na luta contra a desinformação. Afinal, a nova geração demonstra maior familiaridade com pautas ambientais e maior predisposição ao engajamento, tanto online quanto em iniciativas comunitárias. Para Maria Clara, essa tendência funciona como contrapeso importante ao avanço da desinformação digital.

A declaração firmada em Belém marca um ponto de inflexão. Ao reconhecer que o clima das redes afeta o clima do planeta, os países signatários assumem que não há transição ecológica possível sem confiança pública — e que essa confiança depende de ambientes informacionais saudáveis, transparentes e protegidos de manipulações.

Em um cenário global marcado por riscos crescentes, a COP30 dá um passo simbólico e estratégico: coloca a integridade da informação no mesmo patamar das metas de emissões, do financiamento climático e da adaptação. Em outros termos, enfrentar a crise climática exige ciência, política e verdade trabalhando na mesma direção.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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