COEs da XP

São Paulo — A liquidação antecipada de certificados de operações estruturadas (COEs) vendidos pela XP, atrelados a dívidas da Ambipar e da Braskem, deixou investidores com perdas de até 93% e reacendeu, nesta semana, o debate sobre transparência e dever de informação no mercado financeiro brasileiro.

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A crise estourou após as empresas enfrentarem forte instabilidade: a Ambipar obteve tutela judicial para suspender cobranças de credores, enquanto a Braskem recrutou assessores financeiros para revisar sua estrutura de capital.

Com a desvalorização expressiva dos títulos de dívida dessas companhias no mercado secundário, os gatilhos de vencimento antecipado dos COEs foram acionados, obrigando a venda dos ativos ao preço vigente e o repasse do valor residual aos investidores.

Desde então, clientes recorreram a plataformas como o Reclame Aqui para relatar perdas devastadoras. “Comprei COE da Ambipar e da Braskem orientado por assessores e agora o meu dinheiro derreteu… ninguém me avisou”, escreveu um investidor.

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Outro afirmou: “A XP recomendou o COE da Ambipar que virou pó em 18 meses. Mesmo sendo um produto capital em risco, o problema é que a XP fez a análise, aprovou e distribuiu esse produto como se fosse seguro e adequado.”

Para César Queiroz, CEO da Queiroz Investimentos e Participações, o episódio revela uma falha grave na forma de distribuição desses produtos.

“Infelizmente, o COE tem sido vendido e negociado de uma maneira que não leva ao investidor a correta informação dos riscos embutidos. Todo ativo de mercado financeiro que gera uma vinculação de longo prazo tem variáveis de risco inerentes, e isso nem sempre é explicado. O ônus acabou ficando, como sempre, para o pequeno e médio investidor, que acreditou no discurso, deixou o dinheiro travado numa operação casada e agora paga a conta.”

COEs da XP

Adilson Bolico, sócio do escritório Mortari Bolico Advogados e atuante em litígios financeiros, também critica o formato de venda.

“Muitos investidores têm apresentado reclamação nesse momento, porque alegam que jamais foram informados de que haveria o risco de perda desse capital.”

Para ele, o problema não está apenas no desfecho, mas na própria lógica de oferta — em que comissões embutidas podem distorcer incentivos e obscurecer a real proporção de risco.

Do outro lado do debate, Mariana Almeida, analista do Times Brasil, ressalta que, embora pareça duro, a liquidação antecipada prevista em contrato é um risco legítimo.

“O COE cresceu bastante, especialmente esse tipo de COE de crédito. São certificados que só podem ser emitidos por bancos, então existe uma responsabilidade das instituições que fazem essa emissão — tanto na consolidação do papel quanto na informação ao investidor sobre o que ele está comprando. Esse produto já nasce mais arriscado porque não é elegível ao FGC. Isso significa que há, sim, uma exposição maior. E nesse contexto, a credibilidade do emissor é central nessa relação entre o investidor e o COE.”

Ela pondera, porém, que esses instrumentos podem fazer sentido para perfis que compreendem e aceitam o nível de risco envolvido. “A linha tênue está no ponto em que a venda se transforma em omissão”, conclui.

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Até o momento, não há registro de nota pública ampla da XP confirmando ou refutando as críticas. Em comunicados internos enviados aos assessores, a corretora informou os percentuais de devolução e classificou a decisão como “final”.

Nos contratos dos produtos, consta a advertência de que “o COE é destinado a clientes com perfil de investimento moderado (valor nominal protegido) e agressivo (valor nominal em risco)”, conforme as informações disponíveis nas páginas da XP.

A mensagem de risco estava formalmente registrada, mas o episódio revelou uma distância entre a comunicação técnica e a compreensão real dos investidores.

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O que para o mercado parecia uma cláusula contratual comum se mostrou, na prática, um ponto cego de entendimento. O discurso de sofisticação, somado à confiança nas plataformas e assessores, criou a impressão de segurança em produtos que dependiam de variáveis externas e sensíveis.

O caso transformou os COEs em um exemplo de como a desinformação pode ocorrer mesmo em ambientes regulados e com documentação completa.

A combinação entre linguagem técnica, incentivos de venda e assimetria de conhecimento expôs um problema mais amplo: o da transparência efetiva no mercado financeiro. Por isso, mais do que um prejuízo pontual, as perdas nos COEs da XP se tornaram um símbolo do desafio de informar com clareza quem, em teoria, já estava informado.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e redator especializado em economia, finanças e investimentos. É Administrador de Empresas com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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