Brasília (DF) — Num país onde a desigualdade ainda tem endereço fixo e o desabrigo cresce em ritmo urbano, o programa Cidadania PopRua tenta reconstruir um elo rompido entre o Estado e a rua. Coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o programa propõe um novo formato de política pública: atendimento descentralizado, gestão compartilhada e foco na autonomia das pessoas em situação de rua.
O projeto prevê a criação de até 40 unidades de atendimento nas 21 capitais brasileiras, com investimento inicial de R$ 60 milhões. Cada espaço deverá funcionar como ponto de apoio e acolhimento, oferecendo serviços básicos de saúde, orientação jurídica, documentação civil e guarda de pertences.
Segundo estimativas do MDHC, cada unidade poderá atender até 100 pessoas por dia, o equivalente a mais de 400 mil atendimentos semanais.
Mais que um programa de assistência, o PopRua marca uma mudança de paradigma na relação entre Estado e cidadania. Ele unifica experiências anteriores, como os Pontos de Apoio na Rua (PAR) e os Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social (CAIS), em uma mesma rede articulada de atendimento.
A proposta é aproximar os serviços públicos da realidade concreta das ruas, onde a sobrevivência diária é marcada pela ausência de direitos básicos.
O PopRua também incorpora critérios de diversidade em sua gestão. As organizações sociais selecionadas para executar as unidades deverão reservar vagas de coordenação e cargos administrativos para pessoas em situação de rua, pessoas negras, indígenas, trans e mulheres.
A ideia é que o programa não apenas atenda essa população, mas a inclua como agente ativa na formulação e condução das políticas.
Essa lógica de participação direta se estende ao processo de implementação. O MDHC promoveu audiências públicas e transmissões online para esclarecer dúvidas de organizações interessadas no edital, permitindo que coletivos e entidades locais, muitas vezes sem experiência em licitações federais, possam integrar a iniciativa.
O processo, conduzido pela plataforma https://www.gov.br/transferegov/pt-br, foi prorrogado até 2 de novembro, ampliando o prazo para as inscrições das Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
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Ao mesmo tempo em que estrutura uma nova rede de proteção, o Cidadania PopRua reabre um debate mais amplo sobre democracia participativa.
A presença física do Estado nas ruas representa um gesto político: o reconhecimento de que cidadania não se conquista apenas em gabinetes, mas também em calçadas, viadutos e praças.
Até porque segundo dados do Ipea, o número de pessoas em situação de rua no Brasil dobrou na última década, superando 230 mil em 2023.
São homens e mulheres empurrados à margem por crises econômicas, desalento e desmonte das políticas de proteção social. A resposta agora busca ser mais do que emergencial — o PopRua tenta se tornar permanente, um espaço de escuta e reconstrução de vínculos.
Ao final, o programa aposta em um princípio simples e urgente: devolver voz a quem há muito tempo vive do lado de fora da cidade. Com cada inscrição aprovada, cada documento emitido e cada atendimento realizado, o Estado começa a reaprender a olhar — e a responder — para os que sempre estiveram à vista, mas nunca foram ouvidos.










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