Ciclone

Curitiba (PR) — O ciclone extratropical que atingiu o Sul e o Sudeste do Brasil entre sexta e sábado deixou seis mortos, centenas de feridos e devastou ao menos 86 cidades, com ventos de até 250 km/h e chuvas torrenciais que provocaram destruição em larga escala.

continua depois da publicidade

A situação mais crítica foi registrada em Rio Bonito do Iguaçu, no interior do Paraná, onde um tornado de categoria F3 — formado dentro do sistema ciclônico — arrasou 90% das construções da cidade de 14 mil habitantes. Cinco pessoas morreram ali, e outra em Guarapuava.

Mais de 700 moradores ficaram feridos e mil perderam suas casas. No Rio Grande do Sul, dez municípios registraram prejuízos severos, com destelhamentos, queda de torres e 200 mil pessoas sem energia elétrica. O fenômeno também causou transtornos em Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.

De acordo com o Inmet, o ciclone se formou a partir do contraste entre massas de ar quente e frio potencializado pelas águas mais aquecidas do Atlântico Sul. Rajadas de vento acima de 100 km/h e precipitação acima de 150 milímetros foram registradas em diversas localidades.

continua depois da publicidade

O sistema começou a se dissipar no domingo, mas deixou um rastro de destruição e uma pergunta inevitável: até quando o Brasil continuará tratando catástrofes climáticas como exceções?

A tragédia de Rio Bonito do Iguaçu evidencia uma face recorrente da crise climática brasileira — a desigualdade. Fenômenos extremos atingem todas as regiões, mas cobram o preço mais alto nas cidades pequenas, com infraestrutura precária e serviços públicos fragilizados.

Moradias frágeis, ruas sem drenagem e sistemas de energia vulneráveis transformam eventos meteorológicos em tragédias humanitárias. O mesmo padrão se repetiu nas enchentes do Vale do Taquari, nas ondas de calor recordes e nas estiagens prolongadas que desorganizam a agricultura familiar.

O ciclone também escancara o descompasso entre a ciência e a política. Meteorologistas alertam há anos que a intensificação dos eventos extremos é resultado direto do aquecimento global e da expansão desordenada sobre áreas de risco.

Ciclone

Mesmo assim, o país ainda atua de forma reativa. Estados e municípios decretam calamidade, o governo federal envia ajuda emergencial, mas não há coordenação nacional para prevenção e adaptação. O Sistema Nacional de Defesa Civil segue subfinanciado e sem capilaridade para enfrentar desastres dessa escala.

Em vista disso, o impacto social é profundo e duradouro. Em Rio Bonito do Iguaçu, a economia local — baseada em agricultura e pequenos comércios — foi paralisada. Escolas viraram abrigos, famílias perderam tudo e comunidades inteiras enfrentam o desafio da reconstrução com recursos escassos.

No Rio Grande do Sul, o ciclone somou-se à sequência de enchentes e temporais que já haviam provocado prejuízos bilionários nos últimos anos. O padrão mostra que a crise climática está se tornando também uma crise econômica regional.

A resposta institucional tem se limitado ao socorro imediato, sem planejamento para reduzir vulnerabilidades futuras.

Leia Mais

O Brasil ainda não possui um plano nacional robusto de adaptação, e os municípios, que estão na linha de frente dos desastres, carecem de estrutura técnica e orçamentária. O resultado é um ciclo previsível: desastre, emergência, comoção e esquecimento. Enquanto isso, o clima avança — e os extremos se tornam rotina.

Nesse contexto, enfrentar o novo regime climático exige Estado ativo, investimento público e políticas de reconstrução verde.

Obras de contenção, moradia segura, sistemas de alerta e reordenamento urbano devem ser encarados como política de desenvolvimento, não como custo. A reconstrução de cidades atingidas precisa incluir prevenção e justiça social, sob pena de o país permanecer refém da próxima tragédia anunciada.

O ciclone se dissipou, mas deixou exposto o que já é impossível ignorar: a era dos extremos climáticos chegou, e o Brasil ainda responde com improviso. As mudanças do tempo não são apenas atmosféricas — são sociais. Cada vendaval que arranca telhados e destrói comunidades revela, com a força do vento, o tamanho da desigualdade que ainda molda o país.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Ainda não há comentários nesta matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima