Pequim — A China foi admitida como observadora da Comunidade Andina, bloco formado por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, ampliando sua rede de participação em organismos regionais da América do Sul. O movimento reforça a presença econômica e diplomática chinesa em um momento de retração norte-americana e aumento das tensões comerciais globais.
A decisão foi confirmada por representantes do bloco e pelo Ministério das Relações Exteriores da China. Segundo analistas, o gesto tem valor simbólico e estratégico.
“A China entendeu que a influência se constrói por meio da presença constante e da cooperação técnica. Enquanto os Estados Unidos recuam, Pequim ocupa o espaço com pragmatismo econômico”, afirmou o pesquisador Adam Ratzlaff, especialista em política interamericana da Florida International University.
Com a entrada na Comunidade Andina, a China passa a ter status formal em nove instituições regionais das Américas, incluindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco de Desenvolvimento do Caribe e a Associação Latino-Americana de Integração. Essa participação amplia o acesso chinês a fóruns de decisão econômica e facilita a coordenação de investimentos bilaterais.
Dados do Banco Mundial indicam que o comércio entre a China e a América Latina cresceu mais de 30% na última década, alcançando cerca de US$ 480 bilhões anuais. Países como Chile, Peru e Equador firmaram acordos de livre comércio, enquanto Argentina e Brasil se tornaram importantes fornecedores de grãos, petróleo e minérios.
“O relacionamento é essencialmente econômico, mas tem consequências políticas de longo prazo”, avaliou a economista Alicia Bárcena, ex-secretária-executiva da CEPAL.
Nos Estados Unidos, a notícia reacendeu o debate sobre a perda de influência regional. Membros do Congresso pedem à Casa Branca uma estratégia mais robusta de reaproximação.
“A América Latina deixou de ser prioridade para Washington, e a China preencheu esse vazio com investimentos, infraestrutura e crédito”, disse Michael Shifter, presidente emérito do Diálogo Interamericano, centro de estudos com sede em Washington.
Analistas afirmam que, enquanto Pequim investe em obras de longo prazo, Washington tem privilegiado políticas de curto alcance. O corte de verbas para o BID e a adoção de tarifas sobre exportações de parceiros latino-americanos ampliaram a percepção de instabilidade.
“A política de contenção se mostrou contraproducente: ao tentar limitar a China, os EUA acabaram fortalecendo a busca latino-americana por novos parceiros”, observou o professor Andrés Malamud, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

A presença chinesa também avança no campo tecnológico. A entrada na Comunidade Andina pode facilitar a exportação de veículos elétricos e sistemas de inteligência artificial, setores em que Pequim busca novos mercados.
Segundo a consultoria Rhodium Group, investimentos chineses em tecnologia e energia renovável na América Latina já ultrapassam US$ 25 bilhões. Para especialistas, o movimento reflete uma mudança estrutural nas relações econômicas internacionais.
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“O Sul Global está se tornando o principal campo de disputa econômica do século XXI. A China entendeu isso e constrói sua influência pela via da interdependência, não da imposição”, afirmou a pesquisadora colombiana María Alejandra Vélez, da Universidad de los Andes.
Enquanto Washington tenta redefinir sua política para a região, a diplomacia chinesa segue ampliando acordos e presença institucional. A entrada na Comunidade Andina marca mais um passo nesse processo — e reforça o papel da América Latina como eixo estratégico da reconfiguração econômica global.
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