Brasília (DF) — O diplomata Celso Amorim, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, avaliou que o fechamento do espaço aéreo venezuelano ordenado por Donald Trump constitui um “ato de guerra” e pode desencadear um conflito de grandes proporções na região. Em entrevista publicada nesta segunda-feira (8) pelo The Guardian, o ex-chanceler alertou que a alta tensão entre Estados Unidos e Venezuela ameaça arrastar a América do Sul para um cenário de instabilidade prolongada, com riscos semelhantes aos que marcaram confrontos históricos da Guerra Fria.
A declaração surge após o governo norte-americano intensificar a pressão contra Caracas, medida que eleva a temperatura diplomática num momento em que o Brasil tenta preservar a estabilidade regional.
Amorim afirmou que o país rejeita qualquer tentativa de mudança forçada de regime na Venezuela, posição que ecoa a defesa brasileira por soluções negociadas e pelo respeito à soberania dos países vizinhos. Para ele, a escalada supera questões bilaterais e alcança um patamar capaz de afetar toda a dinâmica política do continente.
Segundo o The Guardian, Amorim demonstrou preocupação com o efeito dominó que uma ação militar poderia desencadear. Ele advertiu que uma invasão, caso ocorra, teria consequências imprevisíveis e possivelmente comparáveis ao que se viu no Vietnã, dada a capacidade histórica da América Latina de mobilizar resistência contra intervenções externas.
O diplomata lembrou que o continente nasceu do enfrentamento a potências estrangeiras e que qualquer investida militar tende a realimentar sentimentos anti-imperialistas de longa duração.
Amorim também reconheceu que as eleições presidenciais venezuelanas de 2024 tiveram “problemas”, mas reforçou que isso não justifica uma ruptura violenta da ordem institucional.
Ele destacou que, se cada disputa eleitoral contestada fosse tratada como pretexto para intervenção, a instabilidade seria regra no cenário internacional. O diplomata insistiu que eventuais transições de poder devem surgir de processos internos — não de pressões militares externas.

Ao comentar a pergunta sobre uma possível renúncia do presidente Nicolás Maduro, Amorim foi categórico: se essa decisão vier a ocorrer, caberá exclusivamente ao próprio líder venezuelano e ao povo do país.
O Brasil, enfatizou, não participará de qualquer movimento para impor mudanças no comando político em Caracas. Essa posição reflete uma linha histórica da diplomacia brasileira, marcada pela defesa da autodeterminação dos povos e pela rejeição a intervenções unilaterais.
Ainda na entrevista, Amorim defendeu a ideia de um novo referendo revogatório na Venezuela, semelhante ao realizado em 2004 durante o governo de Hugo Chávez. Para ele, esse pode ser um caminho institucional capaz de aliviar pressões internas e externas sem recorrer ao conflito.
O diplomata lembrou que Chávez aceitou o referendo “com alguma relutância”, mas venceu o processo, reforçando que a saída negociada sempre traz menor custo humano e político do que confrontos militares.
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A preocupação expressa por Amorim ganha relevância em um contexto global de tensões renovadas entre grandes potências e de disputas geopolíticas que frequentemente utilizam países latino-americanos como palco indireto.
A imposição de um bloqueio aéreo, ainda que apresentada como medida estratégica pelos Estados Unidos, cria um precedente perigoso e fragiliza esforços regionais para consolidar a paz e o diálogo, valores centrais defendidos pelo Brasil em fóruns internacionais.
Ao final, a entrevista de Amorim funciona como alerta e posicionamento político. De um lado, denuncia o risco real de que a ofensiva dos EUA contra a Venezuela se transforme em conflito aberto. De outro, reafirma a postura brasileira de buscar soluções negociadas, evitar rupturas violentas e preservar a estabilidade continental.
Em meio a um cenário volátil, sua intervenção busca lembrar que a América do Sul não está disposta a repetir tragédias históricas — e que a diplomacia ainda é a ferramenta mais segura para evitar que a região volte a ser palco de guerras alheias.











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