Brasília (DF) — A Câmara dos Deputados decidiu, nesta quarta-feira (10), preservar o mandato da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), condenada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal a dez anos de prisão e atualmente detida na Itália após fugir do país. A votação — 227 votos a 170, com 10 abstenções — ficou aquém dos 257 votos necessários e marcou mais um choque institucional entre o Legislativo e o STF, um dia depois da aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas de condenados pelo golpe de Estado.
A decisão do plenário contraria a recomendação da Comissão de Constituição e Justiça, que havia aprovado, por ampla margem, o relatório reconhecendo a impossibilidade de Zambelli exercer o cargo.
Para a CCJ, a condenação definitiva e a prisão em regime fechado tornariam inviável a continuidade do mandato, dada a impossibilidade de presença às sessões.
Com o voto do plenário, porém, a Câmara reassumiu para si a palavra final, desafiando a determinação unânime da Primeira Turma do STF, que já havia declarado a perda automática do mandato em razão das faltas decorrentes da prisão.
Parlamentares da oposição enxergaram na decisão uma ruptura deliberada da harmonia entre os Poderes, interpretando o movimento como continuidade da reação da maioria conservadora da Casa contra o sistema de responsabilização do golpe.
Após a sessão, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), anunciou recurso ao Supremo, afirmando que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), conduziu o processo de maneira inconstitucional e criou um impasse institucional desnecessário.
No campo governista, a avaliação é de que Zambelli permanecerá sob risco permanente de cassação. Deputados lembraram que o mandato se tornará, na prática, insustentável: o regime fechado impede o comparecimento às sessões e inevitavelmente levará à perda do mandato por faltas — exatamente o que o STF já havia reconhecido.

O bolsonarismo, entretanto, fechou fileiras para blindar a aliada. Parlamentares repetiram a tese de “perseguição judicial” e defenderam que somente o plenário poderia decidir sobre cassações, independentemente da condenação definitiva. O movimento foi lido nos bastidores como tentativa de criar precedentes que protejam outros deputados alinhados ao ex-presidente, muitos deles também investigados.
Durante a sessão, o advogado de Zambelli, Fabio Pagnozzi, afirmou que a deputada pretende renunciar ao cargo mesmo se preservada, dizendo que “não quer constranger colegas”.
A declaração, porém, não dissipou o incômodo no plenário, já que o gesto de renúncia não elimina o conflito entre Câmara e STF nem altera o fato de que a parlamentar está presa no exterior.
Zambelli foi detida nos arredores de Roma, após atravessar Argentina e Estados Unidos num deslocamento que autoridades descreveram como tentativa de fuga.
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Na Itália, a Justiça local aponta alto risco de evasão, e o processo de extradição ao Brasil sofreu novo adiamento depois que a defesa apresentou um conjunto volumoso de documentos. Uma audiência está marcada para 18 de dezembro, definindo se ela retornará para cumprir pena no país.
A decisão da Câmara deixa um recado político claro: o bloco conservador da Casa está disposto a confrontar diretamente o STF para preservar aliados do bolsonarismo, mesmo diante de condenações definitivas por crimes graves.
Para a oposição, o gesto aprofunda a erosão institucional iniciada nos atos golpistas de janeiro de 2023 e reforça a mensagem de que, para parte do Legislativo, afinidades políticas seguem acima da responsabilidade constitucional.
O resultado também acentua o isolamento do Judiciário em meio à sequência de decisões que beneficiam atores do golpe.
A preservação do mandato de uma deputada condenada e presa no exterior não apenas cria insegurança jurídica, mas compromete a autoridade das instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito — justamente num momento em que o país tenta reconstruir mecanismos de freios e contrapesos abalados pelo extremismo político.











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