Brasília — Em meio à pressão por políticas sociais de baixo custo e impacto direto, a Câmara dos Deputados aprovou na última segunda-feira (27) o parecer da Comissão de Finanças e Tributação que autoriza o uso de terrenos da União para implantação de hortas comunitárias e viveiros urbanos. A proposta, de autoria do deputado Luiz Couto (PT-PB) e relatada pela deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), recebeu emenda do Senado e prevê a cessão gratuita dos imóveis por cinco anos, renováveis, a famílias de baixa renda organizadas em associações, cooperativas ou sindicatos.
A iniciativa, que segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça antes de ir ao Plenário, representa mais do que uma política de agricultura urbana: é um movimento de reconstrução do papel do Estado no uso social da terra pública.
O texto estabelece que as áreas cedidas poderão ser retomadas a qualquer momento pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), mas veda qualquer cobrança de licitação ou aluguel — sinalizando que o foco está na função social e não na arrecadação. Para a relatora, a medida é um exemplo de como a administração pública pode agir em escala local com custo fiscal quase nulo.
O projeto complementa a Lei nº 9.636/1998, que já previa cessão precária de imóveis federais para eventos temporários, e amplia o conceito para incluir iniciativas de interesse social permanente. Na prática, cria um marco legal para políticas de agricultura comunitária em áreas urbanas — algo comum em outros países, mas ainda incipiente no Brasil.
Nos últimos anos, o debate sobre o uso de terras públicas ganhou relevância diante do aumento da insegurança alimentar e da urbanização desordenada. Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN) indicam que cerca de 20 milhões de brasileiros convivem com fome crônica, enquanto centenas de terrenos públicos permanecem ociosos nas cidades.
A proposta, embora simples, toca num ponto sensível: a conciliação entre gestão patrimonial e função social do Estado. O governo federal, por meio da SPU, vem tentando mapear e destinar áreas subutilizadas a políticas habitacionais, culturais e ambientais. A agricultura urbana aparece como alternativa capaz de gerar emprego, reduzir o desperdício e aproximar comunidades de políticas públicas.
O projeto também se conecta a um debate mais amplo sobre o uso social da terra. Ao destinar áreas ociosas da União para agricultura comunitária, o Estado sinaliza uma mudança de foco — da especulação para a função social da propriedade. Experiências locais em cidades como Belo Horizonte e Recife mostraram que a produção coletiva reduz custos de manutenção urbana e fortalece laços comunitários.

A proposta também dialoga com o conceito de “cidade produtiva”, que vem ganhando força em agendas de planejamento urbano sustentável. Ao permitir que associações e cooperativas de baixa renda utilizem áreas públicas, o projeto contribui para descentralizar a economia e ampliar o acesso à alimentação saudável. A emenda do Senado, ao estabelecer prazo de cinco anos prorrogáveis, busca garantir estabilidade mínima para que as hortas possam se consolidar.
O texto aprovado não traz impacto orçamentário direto, segundo o parecer da Comissão de Finanças, e não exige criação de novas despesas. No entanto, a execução dependerá de articulação entre União, prefeituras e movimentos sociais.
A tramitação do projeto ocorre em um momento em que o Congresso retoma o debate sobre políticas de segurança alimentar e agricultura familiar. O tema voltou à pauta após a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
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Em um cenário de restrição fiscal, medidas como as hortas comunitárias representam saídas de baixo custo com alto retorno social — um modelo que combina responsabilidade orçamentária e função pública.
Se aprovado em Plenário e sancionado, o projeto deve fortalecer a agenda de uso social do patrimônio público e abrir caminho para que estados e municípios adotem iniciativas semelhantes.
Num país que ainda luta contra a fome, plantar em terreno público é mais do que uma ação simbólica — é um gesto político que redefine o sentido de propriedade e cidadania.










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