Brasília (DF)— O Brasil deu um passo histórico na construção de um mercado verde regulado. O governo federal lançou as primeiras Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), títulos que representam um hectare de vegetação nativa preservada ou em recuperação e que poderão ser usados para compensar a Reserva Legal de imóveis rurais. Previstas no Código Florestal, as cotas colocam em prática um mecanismo há mais de uma década aguardado por ambientalistas e produtores rurais.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, conduziu o ato de entrega das primeiras CRAs no auditório do ministério, em Brasília. Para ela, a criação do instrumento representa “um imperativo ético e econômico”, capaz de unir conservação e renda.
“Ter um mecanismo como esse é reconhecer uma mudança em curso. Proteger florestas e recursos hídricos é uma forma de justiça climática”, afirmou.
O programa é gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e coordenado por meio do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Cada título pode ser negociado em plataformas financeiras autorizadas, inclusive bolsas de valores ou sistemas reconhecidos pelo Banco Central, abrindo espaço para que a preservação de florestas tenha preço e lastro.
De acordo com o Painel de Regularização Ambiental do SFB, cerca de 25,5 milhões de hectares no país apresentam potencial para compensação por meio das cotas. A valores de referência de R$ 500 por hectare ao ano, o mercado emergente pode movimentar R$ 12,75 bilhões anuais — uma cifra comparável ao orçamento de programas federais de infraestrutura ou habitação.
As primeiras CRAs foram emitidas no estado do Rio de Janeiro, em duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), a Reserva Ecológica Rio Bonito de Lumiar e a Canto da Coruja, ambas em Nova Friburgo. Ao todo, foram criadas 98 cotas, simbolizando o início de um mercado que busca remunerar quem mantém a floresta de pé.
O monitoramento será feito pelo governo estadual com suporte técnico do SFB, utilizando imagens de satélite, alertas de desmatamento e protocolos de mensuração e verificação (MRV).
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, destacou que as CRAs reforçam a agenda da agricultura restaurativa e do pagamento por serviços ambientais (PSA).

“É uma justa remuneração para quem conserva. Estamos lançando instrumentos importantes para o futuro”, afirmou.
O diretor-geral do SFB, Garo Batmanian, observou que o potencial vai além do cumprimento legal. Empresas e fundos interessados em compensações voluntárias ou créditos ambientais poderão adquirir cotas para remunerar serviços ecossistêmicos conforme a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais.
A criação das CRAs representa um novo paradigma econômico: o Estado reconhece oficialmente que preservar florestas é também uma forma de produzir valor.
Ao transformar a cobertura nativa em ativo regulado, o Brasil abre caminho para ampliar o acesso a financiamentos verdes, fortalecer a governança do Código Florestal e reduzir a pressão sobre áreas degradadas.
Leia Mais
O lançamento também coincide com a preparação do país para a COP 30, que será realizada em Belém (PA). Ao criar um mecanismo de mercado alinhado a compromissos internacionais de neutralidade de carbono, o governo busca consolidar a imagem do Brasil como protagonista nas soluções de clima e biodiversidade.
Mais do que uma inovação técnica, as Cotas de Reserva Ambiental são um gesto político: expressam a tentativa de conciliar agricultura, finanças e meio ambiente sob a mesma lógica de sustentabilidade.
O desafio, agora, será garantir que a valorização da floresta não se limite aos títulos financeiros, mas alcance o campo — onde a conservação precisa ser, também, um bom negócio.










Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Ainda não há comentários nesta matéria.