Brasília (DF) — O Brasil levou 37 anos para transformar em realidade um dos dispositivos mais antigos e negligenciados da Constituição: o Sistema Nacional de Educação (SNE). Ao sancionar a lei complementar nº 235, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas criou um mecanismo técnico de gestão. Formalizou um novo arranjo político para o país — um pacto federativo em torno da educação.
O SNE estabelece uma estrutura de cooperação entre União, estados e municípios para planejar, financiar e avaliar políticas educacionais de forma articulada. Na prática, cria um modelo de governança semelhante ao que o Sistema Único de Saúde (SUS) representa para a política sanitária.
A ideia é que o ensino público, da creche à universidade, passe a funcionar dentro de um mesmo circuito de informação e responsabilidade compartilhada.
Lula chamou a sanção de “ato de soberania nacional”. Para o presidente, não há independência política ou econômica sem um sistema educacional capaz de integrar o país em torno do conhecimento.
“Não haverá soberania sem educação”, afirmou no Palácio do Planalto. “O que mais me chamou atenção é a possibilidade de acompanhar uma criança da creche à universidade, com um sistema integrado que permita ao Estado saber como ela está evoluindo e intervir quando necessário.”
O ministro da Educação, Camilo Santana, definiu o SNE como “o SUS da Educação”. O sistema, segundo ele, organizará o planejamento, a avaliação e o financiamento das políticas educacionais, criando uma base comum de padrões de qualidade e integrando as decisões entre os três níveis de governo.
“É um grande passo para ter mais transparência, planejamento e efetividade”, declarou.
A sanção encerra um ciclo de décadas de fragmentação. Desde 1988, a Constituição previa a criação do SNE, mas a falta de consenso entre entes federativos, aliada à instabilidade política e às mudanças de gestão, manteve o dispositivo sem regulamentação.
A lei aprovada agora estabelece comissões tripartite e bipartite que funcionarão como instâncias de negociação e pactuação entre os governos.

A proposta também consolida o papel da União como coordenadora nacional das políticas de educação básica, cabendo-lhe oferecer assistência técnica e financeira e manter sistemas de avaliação e monitoramento integrados.
Estados e municípios passam a assumir compromissos formais de articulação regional e local, com a possibilidade de consórcios e associações federativas para execução conjunta de programas.
O sistema também cria parâmetros de redistribuição de recursos para reduzir desigualdades regionais e assegura a continuidade da trajetória escolar dos estudantes — um dos gargalos históricos da rede pública.
O compartilhamento de dados permitirá acompanhar indicadores em tempo real, do rendimento à frequência, transformando o acompanhamento educacional em uma política pública de Estado.
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Durante a cerimônia de sanção, o secretário de Educação do Piauí e membro do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Washington Bandeira, destacou que a criação do SNE representa um marco institucional.
Para ele, o país passa a ter uma política educacional baseada na cooperação federativa e na estabilidade de longo prazo, “um novo momento da educação brasileira ao integrar e formalizar a colaboração entre os entes federados”.
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, foi além: disse que o SNE encerra uma era de improviso.
“Desde 1988 sonhávamos com esse sistema, e hoje ele se torna realidade. Isso garante que as políticas locais tenham suporte e que o governo federal volte a olhar para os municípios mais distantes.”
A criação do SNE ocorre em um contexto político em que o governo busca reforçar sua imagem de reconstrução institucional. O Ministério da Educação, fragilizado nos últimos anos por cortes e descoordenação, volta a ocupar papel estratégico na integração entre políticas de alfabetização, ensino técnico e superior.
Ao propor um sistema de pactuação federativa, o governo também tenta redefinir o papel do Estado no campo das políticas públicas: menos fragmentado, mais cooperativo e capaz de garantir continuidade independentemente de ciclos eleitorais.
A sanção, portanto, tem peso político e simbólico — é uma tentativa de reposicionar a educação como base do desenvolvimento e da soberania nacional.
O desafio, agora, será transformar a arquitetura institucional em prática cotidiana. O Brasil segue com profundas desigualdades educacionais entre regiões e redes, e a efetividade do novo sistema dependerá da capacidade de Estados e municípios em coordenar dados, políticas e orçamentos em torno de metas comuns.
Três décadas após ser prevista, a criação do Sistema Nacional de Educação devolve à política o papel que lhe cabia desde o início: o de garantir que o direito de aprender seja também o direito de pertencer a um país que decide, enfim, se organizar para ensinar.










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