Desigualdade global
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Doha (Catar) — O Brasil chega à Segunda Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social da ONU com um discurso afinado entre diplomacia e política interna: apresentar ao mundo os resultados sociais recentes como credencial para disputar papel de liderança no combate à pobreza e à desigualdade global.

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Entre 3 e 6 de novembro, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, participará de reuniões e painéis em Doha, ao lado de secretários do ministério.

A delegação brasileira integra também a Primeira Reunião de Líderes da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, instância criada sob liderança da Presidência brasileira do G20 em 2024.

Segundo o MDS, o encontro é uma oportunidade para reforçar a cooperação internacional e compartilhar experiências sobre políticas de transferência de renda, segurança alimentar e inclusão produtiva. “O desafio social é global, e a resposta precisa ser coletiva”, afirmou o ministro ao anunciar a agenda.

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Os números apresentados pela comitiva ajudam a sustentar o discurso. Em julho, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) confirmou a saída do Brasil do Mapa da Fome, resultado de uma série de políticas que combinaram recomposição orçamentária, reestruturação do Bolsa Família e retomada de programas de aquisição de alimentos.

Em 2024, segundo o IBGE, o país também registrou o menor nível de desigualdade de renda da série histórica da PNAD Contínua, com o índice de Gini caindo para 0,506.

Durante a Cúpula, o governo deve apresentar o redesenho do Bolsa Família, inovações no Cadastro Único e o Programa Acredita no Primeiro Passo como exemplos de políticas de emancipação social.

A secretária nacional de Renda de Cidadania, Eliane Aquino, destacou, em nota, que o Bolsa Família é mais que um programa de transferência: é uma “porta de entrada para um conjunto de políticas públicas que promovem desenvolvimento e autonomia”.

Desigualdade global
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Cúpula de Doha tem papel simbólico no sistema das Nações Unidas. Realizada trinta anos após a Declaração de Copenhague (1995), que colocou o desenvolvimento social como pilar do desenvolvimento humano, a reunião deste ano busca atualizar compromissos diante de um cenário global marcado por retrocessos,

Segundo a ONU, 1,1 bilhão de pessoas vivem em pobreza multidimensional e um terço da população mundial enfrenta insegurança alimentar. O Brasil tenta ocupar novamente espaço de referência nesse debate, após anos de retração na diplomacia social.

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, copresidida por Wellington Dias e pela secretária espanhola Eva Granados, reúne mais de 200 membros, entre governos e instituições multilaterais, com foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1, 2 e 10 — erradicação da fome, fim da pobreza e redução das desigualdades.

A estratégia de política externa do governo Lula busca recuperar o prestígio do país em fóruns multilaterais com base em resultados domésticos tangíveis e defesa de políticas redistributivas. No plano internacional, essa abordagem reforça o papel do Brasil como articulador do Sul Global — um país que combina estabilidade democrática e experiência em combate à fome.

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A presença do MDS em Doha traduz também um esforço de reposicionar o país na agenda de cooperação humanitária e socioeconômica.

Após anos de retração institucional e desarticulação das políticas de combate à pobreza, o governo tenta reconstruir uma imagem de liderança moral, ancorada em resultados concretos e na defesa da solidariedade internacional como princípio de governança global.

A Segunda Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social discutirá ainda o financiamento de políticas redistributivas, o papel dos bancos públicos e as parcerias multissetoriais. Segundo a ONU, o evento pretende “abordar lacunas e reafirmar o compromisso com a Agenda 2030”.

Nos bastidores, a delegação brasileira tem encontros bilaterais com países da América Latina, África e Ásia interessados em replicar experiências de gestão social integradas ao Cadastro Único e ao Bolsa Família. Essa diplomacia de resultados — menos ideológica, mais técnica — se alinha à visão do governo de que a política social é também política externa.

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Ao final da Cúpula, Wellington Dias participa de coletiva de imprensa com os copresidentes da Aliança Global, reforçando o discurso de que a erradicação da pobreza é uma meta compartilhada entre nações.

“O Brasil chega a esta Cúpula com resultados concretos, mas também com disposição de cooperar”, disse o ministro, em mensagem oficial.

Para o país, o desafio agora é sustentar o prestígio conquistado com números positivos e convertê-lo em diplomacia permanente — capaz de atravessar governos e reafirmar o papel do Estado brasileiro como exemplo de que combater a desigualdade é projeto nacional e também internacional.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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