Rio de Janeiro — Um projeto nascido do desejo de ouvir quem carrega a memória das periferias do Rio de Janeiro vem transformando histórias de vida em patrimônio audiovisual. Idealizado pela produtora e atriz Dandara Barbosa, Avós da Comunidade reúne relatos de homens e mulheres que ajudaram a construir os bairros onde vivem e que hoje são reconhecidos como griôs — os guardiões da memória e da tradição oral nas comunidades cariocas.
A série, exibida semanalmente no YouTube, percorre territórios como Morro da Providência, Serrinha e Inhoaíba, revelando personagens que viram as favelas e subúrbios do Rio nascerem e se transformarem.
“Os griôs são testemunhas vivas da história. São pessoas que construíram o que hoje chamamos de comunidade”, explica Dandara.
A ideia surgiu quando a produtora percebeu o quanto o ambiente digital privilegia vozes jovens, deixando em silêncio os mais velhos. “Falamos muito sobre ancestralidade, mas quase nunca escutamos quem realmente carrega essa sabedoria”, afirma.
O incômodo deu origem ao projeto em 2023, quando Dandara participou do edital Cultura nas Redes. A pergunta que a guiou desde então foi simples: “O que queremos colocar na internet? O que vale ser lembrado?”.
As primeiras gravações aconteceram em Urucânia, na zona oeste da cidade, dentro da própria casa de Dandara, com fundadores do bairro.
“Era tudo pequeno, mas cheio de afeto. Cada fala era uma aula, uma lembrança que não podia se perder”, lembra.

O formato cresceu e passou a reunir histórias de resistência, fé, humor e sabedoria cotidiana — das cozinhas às rodas de jongo, das memórias de infância às lutas comunitárias.
Entre as personagens retratadas está Dona Jura, moradora do Morro da Providência, que transformou o amor pela cozinha em sustento e referência cultural. A cada episódio, a série revela como experiências individuais se tornam símbolos de um modo de vida coletivo — e de uma história que não aparece nos livros.
No Morro da Serrinha, o berço do jongo carioca, Avós da Comunidade registra as vozes de Sanã, Raimunda e Eliana, que mantêm viva a tradição afro-brasileira passada entre gerações. Já em Inhoaíba, o grupo Fruta do Pé mostra como laços familiares e disciplina moldaram a identidade local, com os griôs Eloy, Paulo e Marly representando diferentes expressões da resistência e do afeto.
Para o produtor Wallace Silva, parceiro de Dandara no projeto, registrar essas vozes é uma forma de continuidade.
“Durante séculos, a sabedoria dos griôs foi preservada pela oralidade. Agora, levamos esse conhecimento para o audiovisual, garantindo que ele chegue a novas gerações”, afirma.
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O projeto também se destaca por oferecer visibilidade a personagens anônimos que simbolizam a força das periferias. Ao colocar idosos como protagonistas, a série inverte a lógica da invisibilidade e reafirma o valor social do envelhecimento.
“Essas pessoas são bibliotecas vivas. Não falam apenas do passado, mas também dos sonhos que ainda têm”, reflete Dandara.
Mais do que um registro de memórias, Avós da Comunidade é um gesto de escuta e reconexão entre tempos e territórios.

A produção mostra como a cultura oral segue sendo um pilar de identidade nas comunidades urbanas, em um país que ainda luta para reconhecer o papel da ancestralidade negra em sua formação.
Cada episódio é um encontro entre gerações, um diálogo sobre pertencimento e herança simbólica. “É bonito ver como eles se emocionam ao contar e como nós nos reconhecemos nas histórias deles”, diz Dandara. “Afinal, somos todos parte dessa grande família chamada memória.”
A série pode ser assistida no canal Avós da Comunidade, no YouTube, com novos episódios todas as sextas-feiras, às 15h.
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