Assentamento Irmã Dorothy
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Quatis (RJ) — Duas décadas após o decreto presidencial que determinou a desapropriação da antiga Fazenda da Pedra, o Assentamento Irmã Dorothy, no Sul Fluminense, foi oficialmente regularizado. No último dia 15 de outubro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entregou os Contratos de Concessão de Uso (CCUs) a 45 famílias e assinou contratos de crédito na modalidade Apoio Inicial, no valor de R$ 8 mil por família, com desconto de 90% para pagamento em até três anos. A cerimônia encerra um processo iniciado em 2006 e marca a retomada de políticas de reforma agrária em um contexto nacional de reestruturação rural.

continua depois da publicidade

O nome do assentamento homenageia a missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada no Pará em 2005, e se tornou símbolo da luta por justiça no campo. O processo de criação do Irmã Dorothy começou em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de desapropriação.

A imissão de posse ocorreu apenas em 2014, e o assentamento foi formalmente criado em 2015. Desde então, as famílias aguardavam a regularização fundiária e o acesso a linhas de crédito rural.

A entrega dos CCUs e dos financiamentos representa o início de uma nova etapa. O crédito de Apoio Inicial deve ser seguido por outras modalidades, como fomento produtivo, fomento mulher e habitação, a serem liberadas mediante elaboração de projetos junto às famílias assentadas.

continua depois da publicidade

Também foi autorizada a cessão de uso de um trator, obtido por emenda parlamentar, destinado à associação local.

Durante o evento, a superintendente regional do Incra/RJ, Maria Lúcia de Pontes, destacou que a regularização é resultado de um longo processo judicial e administrativo.

“Foi um caminho desafiador, com entraves legais, resistência dos antigos proprietários e dificuldades técnicas. Mas chegamos até aqui com diálogo e persistência”, afirmou.

Para ela, o momento reflete um novo ambiente político: “Hoje vivemos em um governo que defende a reforma agrária, e isso faz diferença.”

A chefe da Divisão de Obtenção de Terras, Anida Domicini, ressaltou o papel das famílias assentadas. “Essa é uma conquista coletiva, fruto da luta de vocês e do trabalho de servidores que acreditaram nesse projeto”, disse, emocionada.

Assentamento Irmã Dorothy
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ela afirmou que o assentamento cumpre a função social da terra e simboliza “uma forma diferente de se relacionar com o território, com respeito ao meio ambiente e à comunidade”.

As histórias dos assentados revelam o impacto humano da regularização. Aníbal Leonardo Souza, 57 anos, trabalhou por quase quatro décadas como retireiro na fazenda antes da desapropriação e agora se torna beneficiário formal da reforma agrária.

“Sempre convivi bem com as famílias acampadas e ajudei quando precisavam. Agora posso produzir com segurança”, contou.

Vanor da Silva, o Pelé, 66 anos, relembrou a ocupação da propriedade em 2005. “Éramos 120 famílias. Muitos desistiram, ficaram doentes ou foram embora. Hoje ver o assentamento reconhecido é gratificante.”

O assentamento também reflete transformações sociais mais amplas. Entre as famílias está Karolina Luisa de Araújo, mulher trans de 43 anos, que diz ter encontrado acolhimento.

“Nunca sofri preconceito aqui. As pessoas me respeitaram desde o começo. Agora quero produzir peixes e mudas de plantas”, relatou.

Leia Mais

No dia seguinte à entrega dos títulos, o Incra se reuniu com representantes da Prefeitura de Quatis e da concessionária Light para discutir melhorias de infraestrutura, como a instalação da rede elétrica, a manutenção das estradas e a regularização da coleta de lixo.

A superintendente Maria Lúcia considerou o encontro produtivo: “Saímos com encaminhamentos concretos e prazos definidos.”

Para as famílias, o acesso à terra e ao crédito representa o início de um novo ciclo. O assentamento deve impulsionar a produção de alimentos e fortalecer a economia local, gerando renda e ampliando a autonomia das famílias.

Segundo o Incra, municípios com presença de assentamentos e cooperativas apresentam maior dinamismo econômico e melhor distribuição de renda.

A história do Irmã Dorothy evidencia tanto as dificuldades quanto o alcance social da política de reforma agrária. Depois de 20 anos, o assentamento se torna um retrato da persistência de quem esperou o Estado chegar — e da importância de manter políticas públicas voltadas à inclusão produtiva e ao desenvolvimento rural sustentável.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Ainda não há comentários nesta matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima